Por Claudia Riolfi
Quem disse que ser bom aluno é sinônimo de pensar dentro da caixa?
Se você tem filhos em idade escolar, uma coisa é certa: acabou de comprar um presente para a brincadeira do “Amigo Secreto”. Inicialmente idealizado para poupar uma pessoa de ter de presentear todos os seus amigos sem abrir mão do prazer de dar e de receber presentes, acabou sendo usado para poupar as pessoas da surpresa, por meio da introdução da lista de presentes.
Nesta famigerada lista, todo mundo explicita, antecipadamente, o que quer ganhar e, deste modo, supostamente livra quem oferece o mimo de ter de escolher o que comprar. Ao fazer a opção de subordinar o “Amigo Secreto” às listas, estas pessoas estão sendo apenas pragmáticas ou há algo mais do qual se protegem? E, ainda, por que existem pessoas que aceitam entrar no jogo, mas se recusam a fazer parte das listas? Vejamos.
O presente que nós recebemos nos interpreta, esclareceu Jorge Forbes em Medidas de Natal, um texto escrito em 2004. Por este motivo, nos contou Forbes, a Expectativa é um dos mais corriqueiros fenômenos que ocorrem nesse tempo natalino. Não qualquer uma, ele ressalvou: Expectativa com e maiúsculo, pois diz respeito a fatores fundamentais da identidade: como sou visto, como sou querido, como sou medido. Nesta lógica, quem aceita participar da lista de preferências, fornecendo aos demais participantes da brincadeira parâmetros rígidos do presente a ser comprado, se protege de ter de lidar com as interpretações sociais que gera junto aos seus pares. Não quer tomar conhecimento do que pensam a seu respeito.
Sabendo disto, um fenômeno ocorrido em uma excelente escola particular na capital de São Paulo, há poucos dias, chamou a atenção. Foi na turma do sétimo ano, composta por 35 crianças de aproximadamente doze anos de idade. Com a aproximação da data da troca de presentes, José criou, no grupo de Facebook da turma, um espaço com o título Lista do que eu quero de amigo secreto. A adesão foi imediata, com o de sempre: CDs, games, roupas. De vez em quando, frente à ortografia pouco convencional, um engraçadinho publicava algo como “Que frase mais errada, Ana!”. Até aí, nada de novo.
A coisa mudou quando os excelentes alunos se conectaram. Refiro-me àqueles que, nesta turma específica, sempre se destacaram pelas notas, pelo comportamento exemplar, pelo excelente nível cultural, pela disponibilidade generosa de ajudar os outros. Talvez, todos esperassem que eles pedissem algo pouco típico para a faixa etária (algo como a assinatura anual da revista Piauí), mas não foi bem assim. Examinemos as postagens dos melhores alunos da sala:
João: Eu quero três pintos azuis.
Felipe: Uma piroca (azul ou rosa de preferência).
Lucas: Eu quero o Felipe.
Paulo: Um Doritos e uma Coca-Cola.
Tiago: Eu quero uma almofada azul com estampas de doritos rosa.
Por que fizeram isto? No mínimo, porque não temem a surpresa. Não sendo escravos da Expectativa, estes irreverentes meninos podem se deixar interpretar. Como se tratam de crianças inteligentes, eles se servem do universal da cultura para inventar a sua singularidade. Dão de dez a zero nos psicólogos escolares que, ao se depararem com um bom aluno, vão logo se preocupando e interpretando o prazer de estudar por meio de categorias pseudo-analíticas tais como “assujeitamento”, “alienação” etc.
João, Felipe, Lucas, Paulo e Tiago separam as coisas. Do alto dos seus doze anos, já aprenderam que cultura se conquista e do prazer e da brincadeira não se abre mão. Eles entram no jogo e o subvertem. Surpreendem a todos por fornecer ao leitor uma missão impossível, deixando que ele se vire com o imponderável. Assim, se tornam, ao menos potencialmente, disponíveis para o encontro.
E você? Vai se deixar surpreender por um Feliz Natal ou continuar escravo da Expectativa? Cheers!