Por Lisiane Fachinetto
As vitrines prêt-à-porter e as invenções da sensualidade
Por toda parte, publicações impressas, on-line ou no ar, escritas ou faladas com fundo musical, oferecem soluções para dar maior qualidade ao visual e, como insinuam, na vida amorosa das pessoas. Enquadrar o corpo, a saúde, a imagem e a vida amorosa é a ordem do dia. Para atraírem o olhar de seus parceiros reais ou sonhados, as marcas de roupas, sapatos, cosméticos, lingerie e serviços que vão de spas à famosa “secagem de vazinhos” se esmeram em dizer às mulheres que conquistar alguém ou manter um parceiro fiel está ao alcance de todas. Basta possuir uma conta corrente recheada ou ao menos um cartão de crédito para empurrar a conta com a barriga devidamente enxuta com as dietas da vez. Como nos querem fazer crer, a felicidade é mercadoria para ninguém botar defeito. A vida e a vicissitudes do amor resolvem-se numa tarde no shopping ou na clínica estética. No Brasil que se descobriu como sociedade de consumo, o amor, ao que parece, tornou-se uma questão de must-have.
No final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, em função do declínio econômico surgiu a indústria prêt-à-porter inspirada no processo americano de produção em série. Prêt-à-porter, pronto para levar! A produção é em larga escala e padronizada.
Lacan, no Seminário De um Outro ao outro, na tentativa de colocar em fórmula o discurso do capitalista, disse que o mercado “totaliza méritos, os valores, que garante a organização das escolhas, das preferências, e que implica uma estrutura ordinal”. Na busca desenfreada pelo objeto, segundo o psicanalista francês, o mundo se encheria de bugiganga, nomeada por ele de “latusas”.
E haja bugiganga! Isso porque por mais que obedeçamos à regra do must-have, a não-relação sexual, as tensões, as angústias, o desejo continuam nos incomodando. Os must-haves só tentam tapar o descompasso e o desencontro constitutivo do ser humano. Para Jorge Forbes, o erotismo é marcado por um caráter enviesado, se ele “fosse direto e solto não haveria mais poesia, nem insinuação, nem alusão. O mundo seria sem relevo, chato; chato como um filme pornográfico, assassinato de qualquer erotismo”. A vida amorosa requer invenção, poesia. O amor é um encontro que nos tira do automaton, da rotina. Ele “é sempre inadequado e bagunceiro – surpreendente – sem gaveta ou fichário para ser enquadrado”, diz Forbes no texto O ridículo do amor. Na contramão do prêt-à-porter e do must-have está a invenção de um modo singular, próprio de lidar com o amor e a com sexualidade. Trata-se daquilo que não está pronto e acessível, é a arte de fazer sob medida, um modelo exclusivo. O segredo de uma mulher não está em seu guarda-roupa, mas na capacidade de se inventar uma a uma, dia a dia. Mas, a invenção de uma forma de viver dá um trabalho danado, gera angústia e exige implicação com o desejo. O que vai ser: o que ele quer? O que você quer? O que quero? A resposta a essas perguntas não está escrita nos manuais, nem exposta nas vitrines prêt-a-porter.
Lisiane Fachinetto é psicanalista e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo.