O amanhã será vertiginoso – Os cérebros de proveta inauguram a neurorevolução. 01/09/2022

 Laurent Alexandre

Uma equipe de biólogos da Universidade de San Diego, Califórnia, conseguiu cultivar minicérebros em proveta dotados de capacidade elétrica neuronal complexa. Desde 2010, os cientistas aprenderam a utilizar células-tronco adultas para desenvolver organoides, ou seja, grupos celulares que formam um órgão. Para fabricar um organoide, eles introduzem as células-tronco humanas em uma matriz para realizar a cultura tecidual em três dimensões.

Pela primeira vez, os minicérebros organoides produziram ondas cerebrais comparáveis às de um bebê prematuro. Alysson Muotri, um dos biólogos responsáveis pelo estudo, se mostra entusiasmado: «Se você tivesse me perguntado, há cinco anos, se eu pensava que seria possível que um organoide cerebral pudesse desenvolver uma rede sofisticada que permite gerar oscilações elétricas, eu teria dito não. Demos um importante passo na direção de um modelo capaz de gerar estes estados precoces do desenvolvimento, próprios de um sistema nervoso sofisticado. Estes organoides podem ser utilizados para diversos fins, dentre os quais, a compreensão do neurodesenvolvimento humano, a modelização de doenças, a evolução cerebral, os testes de medicamentos — e mesmo em inteligência artificial.»

A atividade elétrica destes minicérebros surgiu após dois meses de cultura. Os sinais eram escassos e conservavam uma frequência idêntica, como os cérebros humanos imaturos. Na medida em que envelheciam, as ondas cerebrais passaram a ser produzidas em diferentes frequências e a intervalos mais regulares. Comparando o desenvolvimento destes minicérebros com os dados recolhidos de 39 bebês prematuros, os cientistas mostraram que as evoluções eram similares. Os minicérebros de dez meses, apresentaram encefalogramas irregulares próximos aos dos cérebros dos bebês prematuros.

Estes organoides poderiam ser utilizados no estudo de doenças como o autismo — um dos temas prediletos da equipe — ou mesmo o Alzheimer. Eles poderiam ser desenvolvidos a partir das células de um paciente neurológico para melhor compreender sua doença e personalizar seu tratamento. Mesmo não se tratando de verdadeiros cérebros humanos — os organoides não contêm a totalidade dos tipos celulares —, o cultivo de cérebros em proveta implica o surgimento de grandes questões éticas que encantam os transhumanistas.

Por enquanto, os cientistas de San Diego consideram que os minicérebros não são conscientes. Afinal, quem seria capaz de saber a partir de quando um cérebro de proveta mete-se a “pensar”? Alguns temem o cenário do “brain in a vat” (“cérebro em cuba”), em que um organoide cerebral poderia se imaginar vivo e sofrer. Neste sentido, será proibido no futuro destruir estes minicérebros, se eles adquirirem consciência? A neurorevolução que começa, graças aos progressos da neurotecnologia, dá luz a importantes interrogações.

As tecnologias do cérebro poderiam se tornar uma arma ao serviço de uma ambição totalitária. Se as ferramentas de conhecimento íntimo do cérebro existirem, elas serão o instrumento de poder último dos ditadores. A proteção da integridade de nosso cérebro vai tornar-se essencial; muito mais do que a contemporânea proteção da vida privada, na era da vigilância dos feitos e dos gestos de cada um de nós, graças aos rastros digitais. A quem poder-se-ia confiar a construção de uma neuroética? Será autorizada à justiça, por exemplo, ler dentro de nossos cérebros?

À medida que as tecnologias do cérebro se tornam cada vez mais eficientes, aparecerão também, cada vez mais, vertiginosas questões éticas.

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Laurent Alexandre é cirurgião, empreendedor e antigo aluno da École Nationale d’Administration (ENA).

Artigo publicado originalmente na revista L’Express.
Tradução: Jonatan Drumond Jardini
Revisão: Marcia Aguiar