Por Claudia Fabiana de Jesus
O programa “Braços Abertos” pede também mentes abertas
Nos últimos dez anos, têm surgido tentativas de realização de projetos junto aos usuários de drogas na região da Cracolândia, em São Paulo. De quatro anos para cá isso se deu de forma mais intensa. Via de regra, foram intervenções higienistas, autoritárias e focadas nas internações.
No dia 16 de janeiro de 2014, a prefeitura de São Paulo instituiu o programa “Braços Abertos”, que visa o resgate da cidadania e o respeito à autonomia do sujeito. O programa foca no trabalho, na alimentação, na moradia e no tratamento dos dependentes químicos. Assim, busca tirar as pessoas da rua para que elas tenham possibilidades de mudanças. É um programa “de baixa exigibilidade”, não condiciona a inscrição ao abandono da droga, até porque o usuário só larga por vontade própria e quando encontra um sentido para isto. Os usuários de drogas têm seus direitos garantidos enquanto aprendem a lidar com seu vício dentro do contexto que os levaram ao uso. O ponto central não é a repressão, mas, sim, ações em que a autonomia da pessoa seja preservada.
O foco não é acabar com a Cracolândia, mas ajudar as pessoas com intervenções que levem em conta, além da abstinência, a redução de danos. O foco não é a droga, mas a pessoa. O discurso americano da década de 1970 de guerra às drogas, hoje, é ineficaz. O que tem sido feito até agora para tratar o problema do crack e de outras drogas não teve muito êxito. As críticas em relação a esse programa irão surgir e, realmente, não serão todos os usuários que desejarão passar por essas mudanças propostas, até porque isso requer a escolha e responsabilidade por parte da pessoa.
Sabe-se que não será obrigando nem dando lição de moral que esses usuários terão vontade de mudar. Há a baixa exigência do serviço, mas, ao mesmo tempo, há de se lidar com a complexidade e com o que de desconhecido emergirá. As pessoas que operam na região esperarão conflitos, recaídas, dificuldades, novas demandas e poderão se surpreender com a potencialidade de muitos deles. Surpresas que poderão abalar verdades ditas nessa área. Lidar com o novo que se apresentará tem seus riscos. É inventar um modo de atuar com pessoas que apresentam uma relação estreita com as drogas e auxiliá-los a ir para além delas. Não há garantias, porém, o ponto chave está em uma prática de respeito e implicação na escolha, por vezes forçada, da pessoa. É importante a disposição para sair de respostas prontas e realizar novos questionamentos nessa área. O programa de Braços Abertos pede também, mentes abertas.
Claudia Fabiana de Jesus é psicóloga, mestre em Psicologia da Saúde.