Elza Macedo
Transmitido em seminários e em textos publicados nos Escritos e nos Outros Escritos, o ensino de Lacan decorre de sua prática da análise e da leitura de Freud, envolvendo reflexões que vão se modificando ou reestruturando a cada aula e a cada ano. Lacan considerava que seminários são algo equivalente ao jogar sementes, semear, jogar ao léu, esperando que algumas “peguem”. Neles, ele se colocava na posição de analisando, por ser quem fala.
Os seminários de Lacan foram estabelecidos em textos por Jacques-Alain Miller, que começou a frequentar suas aulas no contexto do Seminário 11 Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise, em 1964, sendo esse o primeiro a ser publicado. Até então, os seminários estavam apenas estenografados. As publicações seguintes não obedeceram à ordem cronológica e alguns seminários ainda estão inéditos.
Lacan começou seus seminários em 1951, a pedido de analistas que se analisavam com ele, mas os registros dos dois primeiros se perderam, com exceção de uma ou outra aula. O tema trabalhado naquele ano foi o caso Dora, publicado por Sigmund Freud meio século antes. A aula que fazia parte desse primeiríssimo Seminário e que não foi perdida é Intervenção sobre a transferência. O texto encontra-se no livro Escritos, de Lacan. É estudado no IPLA no Curso Intermediário.
No período entre 1952 e 1953, Lacan dedicou seu seminário ao Homem dos Lobos, a partir do texto de Freud – História de uma neurose infantil, 1918 [1914] e do texto de Ruth Mack Brunswick a quem Freud havia encaminhado seu paciente depois de várias recaídas, idas e vindas – como se fosse uma análise em fatias. Este caso mostrou, além da possibilidade da transferência a vários, a viabilidade de mais de uma visão sobre o mesmo caso.
Esses dois seminários, dados en petit comité, eram endereçados, como dito, a alguns analisandos de Lacan e pessoas próximas. Ocorriam em sua casa, à rue de Lille, vizinha a seu consultório. Os Seminários só começam a serem enumerados em 1953-54. Assim, ficou considerado como Seminário 1 Os Escritos técnicos de Freud. restando os anteriores quase sem registros. A partir de 1953, eles passam a ser ministrados no Hospital Sainte Anne e lá começa o registro por estenografia. Em 1964 o seminário de Lacan muda de sede e O Seminário 11 Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise é dado na Escola Normal Superior, local reconhecido como de alto nível na formação de intelectuais franceses. A partir de 1969, Lacan muda novamente de local, ministrando seus seminários na Faculdade de Direito, começando com o Seminário 17 O avesso da Psicanálise.
O texto que corresponde ao Seminário 1, Os Escritos Técnicos de Freud, é Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise, relatório feito em Roma, em um congresso, em setembro de 1953. Lacan o considera o marco do início de seu ensino, momento em que ele fala em seu próprio nome. É nessa época que ele rompe com a Sociedade Psicanalítica de Paris por questões ligadas à formação do psicanalista e funda com colegas a Sociedade Francesa de Psicanálise.
Na Introdução do seminário 1, além dos vários aspectos teóricos e clínicos importantes, Lacan adverte, responsabilizando seus ouvintes: “ … que todos e todas, na medida dos seus meios, dessem, para contribuir com este novo estádio do seminário, o seu máximo. Seu máximo, isto consiste em que, quando eu interpelar um de vocês para encarregá-lo de uma seção precisa da nossa tarefa comum, não se responda com um ar enfastiado que, justamente nessa semana, se tem encargos particularmente pesados….. Se vocês não vêm para colocar em causa toda a sua atividade, não vejo por que estão aqui. Os que não sentiriam o sentido desta tarefa, por que permaneceriam ligados a nós, ao invés de se juntarem a uma forma qualquer de burocracia?” (p. 15-16). É notável que Lacan busca a implicação analítica desde os primeiros encontros.
No Seminário 1, Lacan também ressalta: “Estou aqui para comentar os textos de Freud. O que eu explico a vocês é estritamente ortodoxo”, portanto, com rigor, fiel. De fato, Lacan é fiel a Freud até o fim de sua vida. Diz, em seu último texto teórico, na abertura do Congresso de Caracas, de 12 de julho de 1980:
“Venho aqui antes de lançar a minha Causa Freudiana. Se trata da fundação da Escola da Causa Freudiana. Me apego a esse adjetivo. Cabe a vocês serem lacanianos, se quiserem. Eu sou freudiano.”
Uma palavra final, sobre a escolha da foto de um elefante como capa do livro Seminário 1.
Diz Lacan: “É porque a palavra elefante existe na sua língua… Só com a palavra elefante e a maneira pela qual os homens a usam, acontecem, aos elefantes, coisas favoráveis ou desfavoráveis…” A palavra elefante é arbitrária, o signo é arbitrário. Por que chamar elefante, girafa, a esses animais? Poderia ser trocado, ou qualquer outra combinação. Chamar de elefante o animal de orelhas pequenas e girafa o de orelhas grandes. É porque usa a linguagem que o homem é político. “…É por aí que a criança faz o aprendizado da ordem simbólica”.
Lacan quer nos convencer da importância da palavra. Ele usou como exemplo o elefante, mas poderia ter sido outro animal. Além disso, há os que dizem que o elefante, graças a suas orelhonas, remete à escuta, tema tão caro à psicanálise. No final desse Seminário, Lacan mandou distribuir figurinhas de elefante. E o elefante ficou sendo o figurino da capa.
Este texto foi retirado, com adaptações, de uma leitura feita pela autora, para apresentar o Sábado no IPLA, realizado em 15 de abril de 2023, intitulado “Chaves de leitura para o Seminário 1 de Jacques Lacan”, e que se concretizou com a presença de Dorothée Rüdiger, Helainy Andrade, Teresa Genesini e Liége Lise, além da autora.