Por Helainy Andrade
Relato clínico a partir de uma entrevista de pacientes com Jorge Forbes, na Clínica de Psicanálise do Genoma Humano, na USP
Ela entrou para a sala de entrevista sem nenhum sinal explícito de sofrimento. Ao contrário, sua presença equilibrava serenidade e determinação. Acabara de perder o pai por complicações decorrentes de uma doença neuromuscular, há 2 meses. E estava ali porque queria se testar para saber se tem a mesma doença. Há probabilidade. O teste lhe daria a certeza. Acontece que ela tem menos de 30 anos e nenhum sintoma. Em pessoas assintomáticas, a orientação é não realizar o teste. Contudo, como insistia com a mãe e com os médicos, ela fora encaminhada para falar com o analista.
O pedido parecia simples, algo mais ou menos nesses termos: “Pediram que eu viesse para que o senhor me tirasse essa ideia da cabeça, me convencesse a não fazer”. Ao menos foi assim que o analista o nomeou.
Ele não faria isso. Não estavam ali para isso. Nem ele, nem ela. O convencimento que, de fato, se alcança numa análise é de outra natureza e vem de outro lugar que não o confronto de ideias ou de razões. Ele não seria seu oponente, nem seu aliado e sim um perscrutador.
E de porquê em porquê chegou ao que ela de fato viera buscar. Mais do que saber da doença, ela queria saber da sua morte. Com o teste em mãos ela teria, ao menos assim sonhava, uma resposta precisa para a incerteza da morte que pontua a vida. Só que onde ela pretendia por um ponto final, o analista colocaria uma vírgula. Introduziria um intervalo de tempo no qual ela teria de suportar esse aberto e inconclusivo que é a vida.
“Você pode esperar uns 5 anos antes de fazer o teste?” Ela, evidentemente, estranhou a pergunta, mas a considerou e respondeu que sim.
E o encontro não terminaria sem a sutileza de um manejo analítico que reinscreveu a morte como a incerteza que de fato ela é: “Marcamos (nosso próximo encontro) para o ano de 2022. É bom a gente marcar, porque assim a gente tem o compromisso de estar aqui, porque há o risco de a gente não estar mais”. Ele ri e ela também. Ela entendeu muito bem, se tocou: “Que horror!”
Assim foi aberta a porta para que ela passe do pensamento impertinente na forma de um “alguém, por favor, me diga quando e como irei morrer” para um “não sei se amanhã vou estar viva.” É uma mudança importante. Sutil se olhada rapidamente, mas profundamente radical.
Entre temer (que nesse caso é o mesmo que se recusar a aceitar) a morte e a incluir na vida vai alguma distância. A morte é a única certeza, mas ao mesmo tempo sempre será uma surpresa. Essa é a dúvida com que todos nós temos que conviver e vai muito além de querer saber se tem ou não uma doença irreversível. E para ela ainda não inventaram remédio, ou exame, que resolva. E nem vão. Aliás, o único remédio para isso é viver.
Helainy Andrade é psicanalista em Varginha-MG e monitora do curso online do Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA-SP.
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