Por Ana Carolina Barros Silva
As pesquisas dizem que …. Dá para acreditar que a depressão infantil está relacionada com o peso do bebê?
Em 10 de fevereiro de 2014, a agência USP de notícias já divulgava a pesquisa que seria publicada, pouco depois, no caderno de Ciência do “Jornal da USP” sob a seguinte manchete: “Riscos ao nascer”. Trata-se de uma matéria que divulga uma investigação realizada durante o mestrado da psicóloga Claudia Mazzer Rodriguez, no âmbito do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP). Seu resultado estabelece uma relação causal entre o baixo peso ao nascer e a depressão infantil.
Para chegar a esse resultado, a pesquisadora avaliou 665 crianças, entre 10 e 11 anos de idade, por meio de testes psicométricos, como por exemplo: 1) Questionário de Capacidades e Dificuldades e; 2) Inventário de Depressão Infantil. Tais instrumentos são baseados em uma vertente da Psicologia chamada “Comportamentalismo” ou “Behaviorismo”. Sua subdivisão mais conhecida e difundida é o Behaviorismo Radical. Foi fundada por Burrhus Frederic Skinner, em 1953.
Dentro desse modo de pensar, um comportamento pode ser criado, modificado e extinto por meio de punições e reforços, a partir de observações, medições e comandos proferidos pelo terapeuta responsável. Trata-se de um ramo das ciências psicológicas que vem ganhando um grande enfoque em nossa sociedade devido ao movimento de patologização e medicalização na contemporaneidade.
Com isso, quero dizer que diagnósticos como TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), DE (Dificuldades Escolares), Dislexia, TDO (Transtorno Desafiador Opositivo) e entre outros estão se tornando soluções prêt-à-porter para impasses escolares e familiares envolvendo crianças com as mais diversas questões: desde a dificuldade com a escrita e leitura, passando pela não aceitação de regras e limites, pela diferença de ritmos de aprendizagem e até pela agressividade, que cada vez mais se torna um problema complexo para pais, professores, gestores e profissionais da saúde.
Diante desse quadro, assistimos a uma avalanche de diagnósticos sustentados por CIDs (Código Internacional de Doenças) e DSMs (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) e, por consequência, a uma medicalização de crianças nas mais tenras idades pelos motivos mais incongruentes possíveis. Quando questionamos esse processo, estamos indagando também o modelo científico que gera esse tipo de entendimento, bem como a conduta irrefletida de uma série de profissionais que trabalham com essas crianças.
O questionamento se estende, ainda, ao modo de vida da sociedade pós-moderna que privilegia a criança obediente e facilmente “enquadrável” em detrimento de qualquer especificidade que alguém possa ter e que não esteja dentro da “normalidade” ou do “padrão esperado”. Isso significa que as singularidades estão sendo cada vez mais rechaçadas, de modo que as excessivas rotulações patológicas, acompanhadas pelas listas de incontáveis exames e prescrições medicamentosas, acabam por servir de medida paliativa para um problema que, quando visto de perto, é muito maior.
Um exemplo disso é justamente a pesquisa citada no início deste artigo, que toma um fator orgânico – o baixo peso ao nascer – e, posteriormente, o avalia segundo instrumentos de medição e quantificação de emoções. Seu resultado nos faz crer em um ser humano que não se equivoca, que não se divide, ou seja, um ser humano que não existe. É um discurso simplista, regido por uma lógica de causas e efeitos.
O que preocupa é que pesquisas como essa são lançadas todos os dias e são absorvidas e acreditadas por milhares de pessoas. O principal risco diante desse complexo emaranhado de fatores é nascer. Do ponto de vista da psicanálise, nascer em um mundo onde o sujeito não pode ser olhado em sua singularidade e não pode ter a chance de se responsabilizar por aquilo que é, realmente, “faz mal à saúde”.
Ana Carolina Barros Silva é psicóloga, cursa especialização em psicanálise com crianças e mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.