Por Maria da Glória Vianna
Retroceder para a sociedade de controle pode oferecer conforto, mas não felicidade
O que a psicanálise tem a dizer a respeito do reacionarismo que, em pleno século XXI, se fez presente na Comissão de Direitos Humanos da Câmara? Tem causado comoção que tenha sido aprovado um projeto apelidado como a lei da “Cura gay”. Por que as pessoas têm protestado?
O texto aprovado (a passar ainda por outras duas comissões da Casa: Seguridade Social e Constituição e Justiça antes de seguir para o plenário da Câmara), permite que psicólogos proponham tratamento da homossexualidade, derrubando, assim, normas do Conselho Federal de Psicologia, para quem ser gay não é doença.
E para os psicanalistas, trata-se de doença? Retomemos a lição de Freud. Tendo sido procurado por uma senhora, preocupada com a orientação sexual de seu filho, redigiu uma carta, em 19 de abril de 1935, na qual deixava claro que esta condição em nada desabonava nem seu caráter nem sua saúde mental. Deixando bem claro que não concordava com a apreensão – moralista – da mãe preocupada, ele afirmou: “Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma. Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual”.
Dirigindo-se a esta mãe, Freud foi claro ao dizer que, mesmo quando alguém quer, raramente uma análise se presta a “corrigir” a orientação sexual. Esclareceu, ainda, para que serviria o tratamento de um homossexual caso ele viesse à análise: “A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição”.
Transcorridos quase 80 anos de sua publicação, porque a lição de Freud ainda não foi aprendida? Cito dois motivos. O primeiro é que as pessoas se enganam pensando que retroceder para velhos modelos vai proporcionar sossego para sua angústia. O segundo é que, para que a confusão amorosa se instale para o ser humano, não se trata desta ou daquela orientação sexual. Basta que o erotismo surja. Afinal, para o desejo sexual, como já cantou Luiz Gonzaga, em “O Xote das meninas”, “não tem um só remédio em toda medicina”.
Maria da Glória Vianna é psicanalista, mestre em linguística pela PUC e membro do Corpo de Formação do Ipla