Muito além da "ginástica cerebral" 10/01/2013

Por Anna Maria G. Carmagnani

O aumento das sinapses não é a maior vantagem de aprender um segundo idioma. A língua estrangeira possibilita ao sujeito outras oportunidades de satisfação, que provavelmente não existem na língua materna

  “Aprendizado de segundo idioma age como ginástica natural no cérebro”. Assim, uma reportagem publicada no Blog da Saúde em julho passado buscava convencer seus leitores de que aprender uma segunda língua é importante para o funcionamento, aperfeiçoamento e prevenção de doenças cerebrais. O neurologista entrevistado pelo blog, que é editado pelo Ministério da Saúde,  fala de “arquitetura cerebral”, “treinamento cognitivo” e possibilidades de compreensão “absoluta (sic)”. Uau!
 Vários conceitos foram mobilizados na matéria, muitos deles questionáveis. Vamos nos concentrar em apenas um: em que medida a aprendizagem de línguas colabora para nossa saúde cerebral?
 Neurologistas e neurolinguistas apontam as vantagens das atividades que aumentam as sinapses, sobretudo as da região do cérebro ligadas à dimensão criativa dos indivíduos, e dos exercícios que colaboram para evitar a demência senil, dentre os quais a aprendizagem de um segundo idioma ocupa lugar de destaque.
 Não questionamos estes efeitos positivos. Porém, a relação entre saúde cerebral e aprendizagem de línguas vai além das sinapses. A satisfação no estudo de um idioma e das possibilidades de leitura do mundo a partir de um novo recorte linguístico ultrapassa o enquadramento postulado pela neurociência. É a nossa “saúde” de sujeitos de desejo que está em questão!
 Falamos aqui das relações complexas estabelecidas com o outro (o estrangeiro), a alteridade implicada em tais relações e seus possíveis desdobramentos.  Em outras palavras, o aprendizado de uma segunda língua nos confronta com esse outro que existe em nós e nos possibilita o contato-confronto com esse Outro-estrangeiro.  É nesta dimensão que ressoam as novas palavras e nos despertam para um jeito diferente de ver e ouvir o mundo.
 Para além das receitas de bem viver que consideram apenas a questão biológica, a lógica do custo-benefício, o desejo inconsciente, com suas esquisitices, contradições, dúvidas e enigmas, é colocado em cena por meio da linguagem. A língua estrangeira atua como um espaço simbólico, o estranho que possibilita ao sujeito outras oportunidades de satisfação, possivelmente interditadas e limitadas na língua materna.