Por Dagmar Silva Pinto de Castro
“Não precisamos temer que nossas escolhas ou nossas ações restrinjam nossa liberdade, já que apenas a escolha e a ação nos libertam de nossas âncoras”.(Maurice Merleau-Ponty)
Os tempos são mutantes. No entanto, o que permeia a produção do conhecimento no campo dos estudos organizacionais e de pessoas é fruto de um paradigma positivista forjado na modernidade. É dessa matriz que nascem modelos explicativos dos fenômenos organizacionais, entre eles a gestão da mudança organizacional. É um modo de construção do conhecimento produzido em um sistema de explicações e de certezas, validadas pelos experimentos. Ocorre que as organizações são formadas por pessoas e se instituem dentro de uma realidade social. As transformações culturais, políticas e econômicas não podem mais ser tratadas com resoluções que não levem em consideração a complexidade nelas embutida. Às organizações cabe ultrapassar as formas de trabalho da era industrial para operar as mudanças da sociedade da informação em um contexto transnacional de divisão entre trabalho e capital, que intensifica a exploração do trabalhador, produz relações precárias que alteram as condições para a propagação do estilo de vida humano e o reduz à sua capacidade de consumo. Do ponto de vista lacaniano, o “discurso do capitalismo promove a redução do sujeito de desejo a consumidor”, como diz Jorge Forbes em Inconsciente e responsabilidade: psicanálise para o século XXI. Como as organizações podem contribuir para alterar um estilo de vida humano demarcado pela falta de percepção de futuro, gerada pela ausência de um passado e que provoca um mal-estar no contemporâneo?
Vivemos mergulhados em um cotidiano onde se torna raro encontrar espaços para a reflexão sobre o próprio ser. A sensação de nos sentirmos desalojados resulta do fato de estarmos em constante movimento, antenados e receptivos aos estímulos virtuais que diminuem a nossa capacidade reflexiva. A pressa nos impõe um ritmo que não deixa sobrar tempo para o olhar atencioso. O encontro com o outro é substituído pelo “consumo”, que se coloca como eixo ordenador do cotidiano. Vive-se no contemporâneo, de acordo com Creusa Capalbo, a “historicidade empírica onde só há sucessão, um evento sucede a outro, reenviando-o para o esquecimento no passado que tende a perder-se, a desaparecer, a morrer”. Contudo, o ser humano é “historicidade de vida”, que é a recuperação do passado, das origens esquecidas que, quando relançadas, atribuem novos sentidos. É o desejo de instituição do próprio ser que carece de outro.
No contemporâneo, a interlocução cortada e a invisibilidade produzem um espaço sem transmissão cultural. É a ausência da escuta do que é ser humano. Nesse caldo da atualidade, é necessário ultrapassar a ocupação-repetição como única modalidade de presença do ser no mundo. Coloca-se como desafio do século XXI a urgência nas transformações do modo de ser das pessoas e organizações. Não se nasce, cresce ou morre da mesma maneira que se fazia nos séculos anteriores. O próprio prolongamento da vida pelos recursos disponibilizados pela ciência aponta para uma curva ascendente na longevidade. Os avanços da ciência, aliados às tecnologias, permitiram chegar-se à decifração do genoma humano. Daqui a alguns anos, a pessoa poderá mapear o seu DNA e customizar o tratamento de suas enfermidades. O tempo é colocado em “curto-circuito na globalização pela criação do mundo virtual” comenta o jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior.
Tempo e espaço se relativizam. Assim, por exemplo, a maior rede de reserva de hotéis no mundo não possui um espaço físico. Os padrões paternalistas e a relação de autoridade perderam o sentido e se esvaziaram. As formas patriarcais da família deram lugar a arranjos sócio afetivos mais fluidos. Em um mundo que deixa de ser pai-orientado na sociedade globalizada, a verticalidade não é mais a ordenação. Há um novo laço social. Nas palavras de Forbes há “uma quebra dos padrões do laço social, uma queda do ideal, mostrando que as estruturas hierárquicas não eram essenciais ao ser humano”.
Para as instituições essa quebra sugere que os termos “gestão”, “organização” e “mudança organizacional” precisam ser reinterpretados à luz de suas interfaces com o cenário complexo do século XXI. As soluções já testadas pelas bússolas dos séculos anteriores não funcionam no contexto das identidades em crise num mundo mutante na originalidade dos dias atuais.
Dagmar Silva Pinto de Castro é docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da UNIMEP
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[1] Esse texto é parte do capítulo “O paradoxo da gestão da mudança organizacional: receitas modernas em um mundo mutante?” escrito com a colaboração de Clovis Pinto de Castro e José Alcione Pereira. Livro: As Múltiplas Relações entre Trabalho e Psicologia, Ed. CRV, Curitiba, 2016, p.53ss.
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