Por Alain Mouzat
A psicanálise tem mais familiaridade com esse tema do que a geopolítica
Falei: vou escrever sobre os refugiados e imigrantes do oriente médio na Europa. Falaram-me: veja bem, me parece mais um assunto de geopolítica do que de psicanálise. Certo. Poderia responder invocando uma citação de Lacan, que já faz alguns anos ficou bem conhecida, invocando a necessidade de o analista estar enganchado com a espiral que arrasta a sua época, para poder se haver com as subjetividades contemporâneas.
Não precisa recorrer a justificativa alguma: o incomum da situação, a magnitude do fenômeno, a urgência do problema, e a ameaça de desastre já não seriam suficientes para nos interpelar?
É verdade que o ponto de vista da geopolítica fornece uma grade de compreensão melhor das causas do fenômeno. Mas recorrer à análise das causas para saber o que fazer com aquilo vai levar ou à inação (nunca vou saber de tudo), ou à ação burocrática (vamos ver o que é possível fazer).
Por isso, parece-me particularmente interessante entender como uma foto – a do menino morto na praia – mobilizou e, de repente, “acordou” a solidariedade de gente e até de governantes, de modo quase instantâneo, jogando para trás argumentações e tergiversações: instante de decidir, de repente, para além de qualquer cálculo. Na urgência.
Mudança dos tempos, com certeza, em que a razão sensível torna-se mais eficiente do que qualquer certeza fundada num todo saber. A psicanálise tem mais familiaridade com isso do que a geopolítica.
Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana