Meninas Super Poderosas 05/03/2015

Por Fabiana Guedes de Oliveira

Na busca de negar a castração, o disfarce de uma  menina super poderosa  mantem a ilusão de que sair beijando sapos, os transformará em príncipes

Estamos em pleno século 21, vivendo na globalização. Cercados de alta tecnologia obtemos nossas informações a  um click.  Disputamos, entre homens e mulheres, de igual para igual, as vagas no mercado de trabalho.  Nesse mundo globalizado, onde tudo nos parece acessível e a felicidade efêmera pronta para ser comprada em qualquer prateleira, somos, dia após dia, bombardeados com a imagem de mulheres super poderosas, que parecem poder tudo fazer. São ótimas profissionais, mães carinhosas, eficientes donas de casa e lindas, donas de um corpo perfeito.  Uau!

Em nossos consultórios conhecemos  as super poderosas. Ouvimos mulheres dizendo que vão ao trabalho, buscam os filhos na escola e os levam do balé ao inglês. Depois voltam ao trabalho, vão à academia, vão ao salão, e no final do dia, encontram-se com os maridos, amantes, namorados, ficantes e amigas. (Pois é, precisam mostrar inclusive para as amigas, que são invencíveis.)  E, quando a noite cai, ainda arrumam fôlego para ser a top 10 das que dão prazeres inimagináveis! Ufa! Acabou?

Ouvimos a fala delas  pronunciada num tom de indignação e de cansaço. Sentem-se injustiçadas. Quando perguntamos:  “Por quê tudo isso?”, respondem: “Se eu não fizer, quem vai fazer? Não dá para ser diferente! Não aceito depender de ninguém…”  O osso é difícil de largar, pois ser uma menina super poderosa  é muito bom! Será?

O gozo contido em suas queixas é aterrador.  Como deixar de ser uma poderosa e admitir a castração?  O que fazer, quando a vida sai dos trilhos, quando a fantasia cede à dura realidade? Aí, ouvimos os lamentos: “Eu fazia tudo para ele, eu era a namorada perfeita, até que descobri que ele me traia! Como assim? Eu não entendo! Me senti um lixo, feia, e o pior, a moça com quem ele ficava era uma baranga!” Que decepção!  A pergunta não se cala, não há resposta, não há explicação.  O real bate com força à porta  de uma a uma. “Não há relação sexual!”  Está certo Jacques Lacan.  Faça o que fizeres não agradará o Outro! Ferrou!

Na busca de negar a castração, o disfarce de uma  menina super poderosa  mantem a ilusão de que sair beijando sapos, os transformará em príncipes.  Afinal, ela  pode tudo e mais um pouco!  Sentir-se poderosa aprisiona. Não permite a ascensão ao desejo. Afinal, para desejar é preciso admitir a falha, o buraco, a insuficiência. Ocorre que toda essa empreitada não é exclusividade das mulheres, nem das relações amorosas. Vivemos uma época em que o imperativo “seja feliz!”  vigora com força total. Como se o que dispuséssemos hoje, garantissem a felicidade. Então, presenciamos corridas à academia, dietas miraculosas, intervenções cirúrgicas cada vez mais acessíveis que garantem curar o incurável: a velhice e a morte.

Nossa clínica psicanalítica vai na contramão dos super poderes.  Os descontrói.  Permite a liberdade de invenção de outras formas de vida que não os modelitos  prêt-à-porter das meninas super poderosas.  Formas de vida que consideram os limites do corpo, que respeitam o desejo e que assumem o ônus e o risco de levar a vida adiante sem garantia.

Diria que o grande desafio de uma psicanálise é descobrir a liberdade. A psicanálise nos oferece uma saída da mascarada das meninas super poderosas, quando nos responsabiliza pelo que escolhemos, pelo que desejamos, quando nos confronta com a castração.  A psicanálise não levará ninguém à perfeição. Com uma análise perde-se a  ilusão  que  há  respostas  unívocas para nossas aflições  e que há um jeito de manter tudo sob controle.  Quando uma menina super poderosa deita no divã e perde seus super poderes, ela sai ganhando. Ganha vida e a chance de ser uma mulher como nenhuma outra existe no mundo.

Fabiana Guedes de Oliveira é psicóloga graduada pela Universidade de Fortaleza e psicanalista clínica em Rio Branco – Acre