Por Laura Riolfi Barzotto
Na sociedade atual, é preciso que os jovens se preparem para estar à altura de diferenciar o medo paralisante do medo que leva ao protagonismo responsável
Dois mortos, seis esfaqueados e três baleados. Foi este o saldo da “Virada Cultural 2013”. Quem seguiu as notícias em tempo real leu manchetes tais como: “Um rapaz de aproximadamente 19 anos foi assaltado e esfaqueado no viaduto do Chá (…). A facada atingiu as costas da vítima, que perdeu muito sangue e foi levada a um pronto socorro da região”.
É complicado ter 17 anos em 2013. Chegamos a um ponto cujo avanço da técnica é vertiginoso, no qual, a cada dia, surgem novas formas de colocar em risco a espécie humana. Segundo o filósofo alemão Hans Jonas, hoje, o “primeiro imperativo” é agir, coletivamente, em favor da existência da humanidade.
Como seguir este imperativo em uma sociedade do medo? Lendo os jornais, avalio que o risco é o “cada um por si e Deus por todos”, já que a tendência para se auto preservar tende a se tornar natural em uma sociedade que teme a si mesma e a si própria. Posto isso, é necessário diferenciar dois tipos deste afeto.
No livro “História sem Fim”, de Michael Ende, Bastian, um menino de 12 anos, descobre um livro com o mesmo título. Nele, um mundo chamado “Fantasia” está em perigo e, consequentemente, é necessário que alguém se responsabilize pela tarefa de salvá-lo. Enquanto lê, Bastian percebe que, paulatinamente, não é mais capaz de discernir a realidade vivida da narrada. Sente-se muito confuso, até que compreende a necessidade de mudança de perspectiva: não lhe basta ser o personagem da história narrada por terceiros. Para salvar “Fantasia”, ele vai ter que se fazer ser o salvador esperado na narrativa lida.
A passagem não é automática. Na primeira oportunidade, o garoto hesita. Sua vacilação é fruto do que chamarei de “medo 1”: o medo de não corresponder às expectativas do outro. Ele teme não estar à altura da tarefa, devaneia cenas nas quais será rejeitado por sua aparência física. O “medo 1” é paralisante. Leva à inação e à manutenção do estado de coisas que lhe apavora. Em sua segunda oportunidade, é tudo outra história. Ele assume, com desejo decidido, o papel de salvador. Depois de ter optado, não há mais retorno. Acabaram as rotas de fuga. Isso não significa que Bastian virou um inconsciente. Ele conhece os riscos de sua decisão. O “medo 2” ainda o habita.
A principal diferença entre os dois medos é que, no segundo, o que conta é a avaliação dos riscos que advém da relação mais verídica com o real. Bastian recria seu vínculo com o mundo. Ao fazê-lo, nem ele nem o mundo são os mesmos que outrora foram. Agora, ele age em prol da existência de “Fantasia” porque compreende seu protagonismo na época em que escolheu permanecer vivo.
O “medo 2” é irmão do “Princípio responsabilidade” de Hans Jonas: aquele sentimento que, se impondo a nós como uma força maior, nos faz agir em favor da manutenção de sua existência. Quando o “primeiro imperativo” não está exercendo sua ação sobre uma pessoa, na presença de uma situação de risco ela se tornará um alvo fácil do “medo 1”. Na presença deste imperativo, a pessoa se torna uma espécie de Bastian: age, cria respostas maravilhosamente inusitadas, sejam elas científicas ou artísticas.
Assim, para os jovens que se apavoraram lendo as notícias a respeito da “Virada Cultural 2013”, fica a dica: preparem-se. Não poupem tempo ou esforços para obter os meios técnicos necessários para concretizar suas invenções. É verdade quando Guimarães Rosa diz que viver é muito perigoso. É também verdade que nós nascemos em uma sociedade do medo. Ainda bem!
Laura Riolfi Barzotto tem 17 anos. Está se preparando, no cursinho Poliedro, para o concurso vestibular na Escola de Comunicação e Artes da USP e, de quebra, estagiando com o cineasta Hélio Ishii durante a produção de curtas-metragens.