Maria Maria 29/10/2015

Por Helainy Andrade

A psicanálise a liberou da identificação à mãe e lhe abriu a possibilidade de encontrar sua saída

Maria tem 50 anos e pouca mobilidade devido à distrofia facioescápulo umeral. Em 2012, chegou ao Genoma para ser tratada pela psicanálise, a pedido do médico que a atendeu na ABDIM – Associação Brasileira de Distrofia Muscular. Veio de cadeira de rodas, mas mesmo que se sustentasse nas próprias pernas, precisava ser trazida por alguém. Ela não queria o atendimento psicanalítico, estava ali a contragosto. A negação de seu sofrimento, num reiterado e vazio – “está tudo bem”- era um dos componentes de seu quadro depressivo. A resistência era grande e sua subsequente abertura afetiva ao tratamento foi um primeiro destaque nesse caso, porque pareceu encontrar correspondência com uma atitude menos empacada e mais fluida que ela passou a apresentar na vida, para além das sessões.

Na ocasião de sua primeira entrevista com Dr. Jorge Forbes e Dra. Mayana Zatz, fazia aproximadamente cinco anos que sua vida começara a mudar para pior. Primeiro parou de trabalhar pelas limitações impostas pela distrofia, um ano depois perdeu o pai e, no ano seguinte, a mãe. Foram perdas difíceis sim, mas seu modo de reagir a tais perdas é o que constituiu sua receita para se deprimir. Explico: aquela que hoje consegue dizer do quanto não gosta de ficar sozinha, começou a se isolar. Era o pior que ela podia fazer por si mesma e tinha a força de ser a cópia da atitude da mãe. Frente à morte do marido, ela não quis mais viver e de fato, menos de seis meses depois estava literalmente morta de tristeza. Maria tinha esse exemplo fácil de ser seguido. Ela se orgulhava de se parecer com a mãe, que era, para ela, uma mulher admirável: lutadora, forte, alegre e, ao que se viu, decidida.

Quando chegou ao tratamento analítico, Maria estava tentando tomar para si a solução que já havia sido comprada por sua mãe. A psicanálise a liberou da identificação à mãe e lhe abriu a possibilidade de encontrar sua saída. Nesse sentido, a segunda entrevista com Dr. Jorge Forbes foi muito decisiva para que ela se autorizasse a isso. O analista localizou e legitimou nela um talento culinário que havia herdado da mãe. Foi um júbilo para Maria, ela não precisava eliminar o modelo da mãe, apenas poderia ser mais seletiva quanto aos aspectos realmente admiráveis e criativos. Foi assim que, após os cinco anos anteriores à sua vinda ao Genoma – debatendo-se com a perda dos pais e da própria saúde -, Maria conseguiu elaborar o luto e escapar da gosma da depressão. O que poderia passar como uma depressão frente ao diagnóstico que acabara de receber era, na verdade, um estado persistente de melancolia. Conforme sabemos desde Freud, a melancolia se difere do luto. Ela instala-se quando a pessoa se identifica ao ente perdido e se torna ela mesma morta, uma morta-viva. “A sombra do objeto cai sobre o sujeito”. É diferente do luto, em que a pessoa reconhece a perda, sofre por ela, evidentemente, mas permanece separada de seu querido objeto perdido. No luto, há a possibilidade de uma elaboração e consequente deslocamento. 

Um dos efeitos clínicos mais significativos nesse caso foi essa passagem da melancolia ao luto e, em seguida, do luto à vida. Ao longo desses anos em que é acompanhada na Clínica de Psicanálise do Centro de Estudos do Genoma Humano, esta senhora mostrou que saiu da paralisia subjetiva e entrou no movimento da vida de novo. De sua cadeira de rodas, como ela mesma diz: “não paro nunca”!

Helainy Andrade é psicanalista em Varginha-MG e membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA-SP.


 
 

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