Por João Francisco Rüdiger Verona
Para ir às ruas havia também um motivo que Sigmund Freud chamou de mal-estar na civilização
Não é preciso ser, necessariamente, maconheiro para participar da marcha da maconha, que acontece anualmente não somente nas maiores cidades do Brasil, como também do mundo. No sábado, dia 23 de maio, reuniram-se em São Paulo, digamos, 12 mil pessoas, tirando uma média entre a contagem da Polícia Militar (4 mil) e dos organizadores (20 mil). Eram pessoas que marcharam não somente pela descriminalização do uso da maconha, mas por vários motivos.
Poderia ter sido por causa da festa. Encontrar pessoas numa tarde de sábado ensolarada era bom demais. Sentir-se parte de uma sociedade civil mundial que chama para as marchas da maconha os cidadãos pelo globo afora outro bom motivo. E, é claro, a marcha era organizada para denunciar a hipocrisia da lei que libera outras drogas, tais como o álcool e os psicotrópicos, mas estigmatiza a maconha.
Mas, para ir às ruas havia também um motivo que Sigmund Freud chamou de mal-estar na civilização. No entanto, ao contrário daquilo que ele disse, a marcha não servia exatamente para fugir desse mal-estar e ficar zen pelo consumo de drogas. Servia para responder a ele.
Porque marchar é preciso, pois, contra os Petrogate federal, contra o Watergate paulista, o Schoolgate paranaense não há erva que acalme. Marchar é preciso, porque uma democracia só é possível acontecer com a manifestação e participação constante de quem emana poder: não Deus, o povo. O Estado existe porque abrimos mão de parte de nossa liberdade individual e a investimos em quem, na esfera política, julgamos corresponder. Só que se percebe que isso não acontece. Nossos governantes e representantes preferem fazer parte de um sistema que beneficia interesses particulares em detrimento do interesse público, isto é, do nosso interesse como cidadãos.
É essa crise de representatividade política que está movendo os cidadãos. Independentemente de qual seja seu posicionamento no espectro político, as pessoas percebem que nas manifestações públicas conseguem demonstrar suas vontades, críticas e reinvindicações das mais diversas. Por mais que existam divergências individuais entre os manifestantes até sobre causas comuns, ainda assim as pessoas se identificam umas com as outras. Anseiam por exercer suas liberdades, por deixarem de ser meros espectadores das ações políticas dos outros. É o que as têm movido a irem para as ruas, debaterem nas redes sociais e nos bares e botecos da vida. Hoje, se está, de alguma forma, entendendo que com manifestações nas ruas, ainda que irracionais, é possível transformar a política. Passo a passo podem-se abrir novos espaços, inventar novos discursos e, quem sabe, uma nova relação entre representantes e representados. Para isso, marcha-se aqui, nos Estados Unidos, no Canadá, na Argentina, na Alemanha, na Áustria, na Rússia e pelo vasto mundo global afora.
João Francisco Rüdiger Verona é desenvolvedor de jogos.