Por Italo Venturelli e Liége Lise
Os sintomas físicos, no caso da hipocondria, são a expressão de um sofrimento que não encontra uma correspondência no corpo biológico
Molière, em 1673, escreveu sua última peça, O Doente Imaginário. O protagonista é um hipocondríaco, Argon – carente e ávaro burguês que vivia sobre a cama. A sua rotina era receber a visita dos médicos e mobilizar a todos em sua volta com seu mal-estar.
A comédia continua atual e ilustra uma cena corriqueira nos atendimentos médicos. O Sr. Argon é a caricatura de um sofrimento expresso por muitos pacientes que, apresentando um quadro clínico saudável, recorrem com frequência a consultórios e hospitais em busca de acolhida para queixas geralmente associadas a doenças graves. Demandam a realização de exames e não aceitam que o resultado seja normal.
Na hipocondria, a pessoa se acredita portadora de uma doença grave, apresentando os sinais característicos da enfermidade e sentindo um risco iminente de morte. É um sintoma psíquico, de intenso sofrimento e que pejorativamente é nomeado como “mania de doença”.
Ao não receber o aval favorável ao que imagina ser sua doença, o paciente questiona o profissional de saúde que diagnosticou a inexistência da mesma: como normal, se sinto os sintomas e as dores em meu corpo? Em muitas situações, antes do atendimento, o paciente já consultou a Internet e traz impressa a discussão do seu caso, ao qual procura se identificar na sintomatologia descrita. Viva o “Dr. Google”!
Se a doença do paciente é imaginária, o sofrimento, ao contrário, é bem real. Os sintomas físicos, muitas vezes, são a expressão de um sofrimento que não tem uma correspondência no corpo biológico. Há uma dimensão do corpo que escapa à dimensão material possível de medição e captura pela imagem. É neste corpo que incide a prática do psicanalista.
Nas palavras de Jorge Forbes: “É a Clínica Borromeana de Lacan, que excede a distinção entre mente e corpo, para indicar que além do corpo lido pela ciência moderna, corpo médico, reconhecido por medições e limitado pela epiderme, que a vida humana se sustenta em um outro corpo, ‘real’. A psicanálise nasceu, com Freud, como um problema do corpo, e assim continua com Lacan, ‘en-corps’, a clínica de um corpo que goza”. Nos casos de hipocondria, é a este segundo corpo que devemos prestar atenção.