Por Alain Mouzat e Italo Venturelli
A legalização da maconha é uma questão científica, jurídica ou ética?
Várias notícias convergem: a maconha vai ser “liberada”. A sociedade caminha a passos largos para legalização do uso da maconha. Um conjunto de notícias deixa clara a tendência: estados americanos reconhecendo seu uso medicinal; a França lançando o Sativex, um medicamento à base de maconha, a legalização do plantio para consumo no Uruguai, a experiência da Holanda etc. A última notícia veio de uma entrevista, publicada na mídia brasileira, de um cientista americano se declarando consumidor e favorável ao uso medicinal da erva. Além disso, conclamou as virtudes terapêuticas da maconha que, segundo ele, são tão revolucionárias quanto as da penicilina.
Deixando de lado o entusiasmo do prosélito, o argumento da eficácia medicinal da planta deixa dúvida: sempre haverá pesquisas atestando tanto a sua eficiência quanto o contrário. A variação depende de quem patrocina a investigação. Podemos relembrar o caso da pesquisa acerca da eficiência dos Ômega 3. Um mesmo laboratório publicou dois trabalhos, um confirmando sua eficácia e outro negando qualquer efeito comprovado. O que mais chama a atenção é que os dois resultados vieram a partir da mesma pesquisa geral[i].
Para aguçar a polêmica, somam-se as denúncias que podem ser feitas dos malefícios da erva: perturbação da memória recente, desencadeamento de crise em psicóticos, alteração da atenção e dos reflexos. Ela pode ser tão nociva para os pulmões quanto o fumo e, para o desempenho social, quanto o álcool…
Mas, muito mais do que argumentos “científicos” a favor ou contra a “legalização” da maconha, é o argumento financeiro que pesa: a luta contra o tráfico, a penalização do usuário, a manutenção do aparelho policial, administrativo, judiciário, penitenciário etc… Enfim, custa muito dinheiro deixar a sociedade livre do flagelo das drogas. Até a Suíça, que tem pouca vocação para a liberalização dos costumes, encomendou uma pesquisa para verificar os perigos de despenalizar o usuário…
A questão da maconha então pode ser abordada sobre vários pontos – científico, médico, jurídico, econômico, epidemiológico – só falta falar dela em termos de prazer e, nesse ponto, ela se enquadra, sim, na caracterização de uma droga. Droga continua sendo droga, seja ela remédio comprado em farmácia, seja bebida tomada com os amigos, seja a maconha recreativa. A intervenção de um composto químico alterando o psiquismo nunca eximirá em nada o ser humano da responsabilidade de viver sua vida e de seu dever de se confrontar com seus desejos.
[i]Ver o artigo de Pierre Barthélémy in http://passeurdesciences.blog.lemonde.fr/2014/01/26/faut-il-en-finir-avec-les-omega-3/]
Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana
Italo Venturelli é neurocirurgião, psicanalista e Diretor do Hospital Regional do Sul de Minas Gerais