Macho, masculino amor 04/09/2014

Por Claudia Riolfi

O que acontece quando os homens se tornam mais espertos? As mulheres ficam ainda mais livres? Seria isso o que lhes interessa?

Li e gostei da entrevista com Luc Ferry publicada no nº 93 em O MUNDO. VISTO PELA PSICANÁLISE. Estampada originariamente nas páginas da revista IstoÉ GENTE, em agosto de 2014, ela coloca a questão amorosa em perspectiva, liberando-nos da função de ter de organizar o pensamento e, consequentemente, oferece-nos espaço para novas reflexões. Foi o que aconteceu quando li que “Mulheres mais livres tornam os homens mais espertos”.

É um raciocínio feito a partir de um lugar masculino. As transformações ocorridas com as mulheres são colocadas no lugar da causa e, por esse motivo, o que se destaca é o efeito nos homens. E se fosse o contrário? E se Jorge Forbes tivesse feito as mesmas perguntas para uma pessoa que tivesse desejado colocar a mulher no centro da reflexão? Fiquei com vontade de fazer o exercício. Então, pergunto: O que acontece quando os homens se tornam mais espertos? As mulheres ficam ainda mais livres? Seria isso o que lhes interessa?

Ferry parece achar que sim. Não diferencia as afirmações de cunho sociológico com as que Freud talvez chamasse de psicológicas. Constata que, hoje, um casal se separa quando o amor acaba. A favor de sua constatação, estão as estatísticas publicadas nos jornais de muitos países. Só que, justaposta a essa constatação, afirma que transformamos o casamento em algo frágil e variável, porque o fundamentamos “no amor-paixão”. Como a psicanálise vê isso?

É um raciocínio, até certo ponto, compatível com o freudiano. Em 1917, no texto “Uma dificuldade no caminho da psicanálise”, Freud afirma que, mesmo nos casos de apaixonamento, o indivíduo não passa toda sua libido para o objeto amado, deixando parte dele no “grande reservatório” de seu ego. Em suas palavras, “O ego é um grande reservatório, do qual flui a libido destinada aos objetos e para o qual regressa, vinda dos objetos”. Essa formulação responde pelo amor-paixão. A pessoa coloca um pouco de libido no outro, frui de seu corpo e, depois, retorna ao narcisismo, o estado original.

Segundo esse raciocínio, se uma mulher deseja fazer o amor durar, o melhor seria manter-se virgem! Essa impressão se reforça quando, em 1921, no texto Psicologia de grupo e a análise do ego, Freud diz, explicitamente, que é “o destino do amor sensual extinguir-se quando se satisfaz”. Até aqui, Ferry e Freud parecem ir juntos. Um casal se encontra, apaixona-se, transa loucamente e, enjoados do prazer obtido, vão cada um para seu lado. Sério meninas? Suas filhas, amigas, companheiras estão se casando motivadas apenas pela paixão sexual?

Não acredito. Espanta-me que, em tempo de tanta liberdade sexual, uma moça creia que, para viver um caso quente, seja obrigada a se casar. Acredito, muito menos, que, para uma mulher, o prazer sexual enjoe. Esse parece ser um raciocínio masculino, que não responde pelo afeto de uma mulher. Mais provavelmente, o amor feminino está mais ligado à segunda parte do texto de Freud (1917): mesclado com componentes puramente afetuosos, inibidos em seus objetivos. Ou, ainda, àquilo que Lacan menciona para fechar o livro 11 de seu Seminário: situar-se no Real, lugar onde ele pode sobreviver.

Aqui, um lembrete para os homens: estou falando de uma mulher, não de uma histérica. Quanto a essa última, ainda seguindo as referências Freudianas, temos de lembrar da conferência XXXIII, Feminilidade. Nesse trabalho, ele estabelece uma ligação entre o amor-paixão da mulher com a relação que esta tinha com sua mãe. Afirma, claramente, que é enquanto identificada a sua mãe que uma histérica manterá com seu marido uma relação do tipo masculino. Pobres rapazes! Apaixonam-se por aquela pessoa a quem pensam ser tão afetuosa e, depois, tudo o que conseguem é ter filhos em quem ela depositará o seu afeto.

Concluindo, parece-me que a entrevista de Ferry descreve as relações entre homens e histéricas. O que se passa quando alguém encontra uma mulher ainda está para ser descrito. Resta-nos, portanto, esperar que homens e mulheres fiquem mais espertos para que, sem tanto sofrimento, possam se amar mais livres.

Claudia Riolfi é Professora Livre-docente da Universidade de São Paulo. Cursou pós-doutorado em Linguística na Université Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Psicanalista, é Diretora Geral do IPLA.