Por Gisele Vitória
“Spotlight” ganhou o Oscar 2016 de melhor filme. Ganhou o jornalismo investigativo que provoca mudanças
Na segunda-feira, 29 de fevereiro, o dia amanheceu com mais luz. Na madrugada anterior, assistimos às palavrinhas mágicas televisionadas para o mundo, na cerimônia da Academy Awards, em Los Angeles: “And the Oscar goes to…’Spotlight'”, o melhor filme. Hollywood jogou seus poderosos holofotes no jornalismo profissional, e na força incomparável da reportagem investigativa para provocar mudanças. Sim, mudanças, e muitas delas arrebatadoras para o establishement, como o escândalo mundial de pedofilia acobertado pela Igreja, investigado e revelado pelo jornal Boston Globe, e retratado no filme. A história vivida em 2001 pela equipe de repórteres especiais do jornal comandado por Marty Baron, então editor-chefe e recém-chegado ao Boston Globe, inspira e fortalece os heróis da resistência nas redações de 2016.
A gente vibra com a capacidade de apuração e de entrega dos profissionais, sente saudade de um tempo de um tempo mais próspero e relembra o que Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos, um dia disse, no século 19: “Se eu tivesse que escolher entre um governo sem imprensa e uma imprensa sem governo, não hesitaria em escolher a última”. Pode ser coisa antiga, mas o vigor é de juventude. Nessa frase do passado, tem-se a dimensão da força do jornalismo e de sua necessidade de existir pleno e forte, para garantir os valores democráticos e de liberdade.
A crise nos modelos de negócio dos jornais e das revistas avança. O momento é difícil, de adequação e cortes de estrutura e pessoas, num alcance de proporções mundiais. O futuro é incerto. Por isso, é bem-vindo “o furo do ano”, como manchetou o jornal Folha S.Paulo, na matéria assinada pelo editor-executivo Sérgio Dávila, na capa do caderno Ilustrada, sobre a premiação máxima de “Spotlight”, na cerimônia do Oscar. Com pompa e circunstância, o cinema faz seu reconhecimento à importância do jornalismo investigativo e profissional. A mesma sétima arte que já sensibilizou o mundo com tantos temas importantes e históricos dá agora, neste Oscar 2016, a sua contribuição ao valor da imprensa.
O desejo mais genuíno (ou ingênuo?) é de que a luz dos holofotes hollywoodianos não seja efêmera. Que esta bela notícia rodeada de glamour e flashes, seja capaz de provocar mudanças, tal como uma matéria bem apurada pode ser capaz de fazer – lembrando um dos diálogos do editor Baron com sua equipe, num momento decisivo do filme.
Vem à cabeça aquele velho hit do Lulu Santos: “Talvez eu seja o último romântico/do litoral deste oceano Atlântico…” Temo estar ainda sob o justo efeito eufórico, sentido por tantos jornalistas que amam esta profissão magnífica e que viram na telona uma bela e contundente história real vivida por uma redação que, diriam os bem céticos, não existe mais ou está em franca extinção. Mas me apego ao último verso da mesma canção do Lulu, que é providencial contra o ceticismo: “…Se é loucura então, melhor não ter razão”. Linda noite para o jornalismo em um momento oportuno para ganhar fôlego – e esperança – na batalha por novos tempos mais iluminados. Que haja luz no fim do filme.
Gisele Vitória é jornalista, diretora de núcleo da Editora Três e colunista da revista IstoÉ.
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