Por Letícia Genesini
Enquanto o mundo se pergunta de onde vieram as explosões que interromperam a maratona de Boston e o motivo delas, corredores reafirmam os valores de honra e conquista que os motivam
Nesta última semana, em respostas às explosões que interromperam a maratona de Boston, corredores aficionados postaram em seus blogs e fan pages a famosa citação de Kathrine Switzer: “If you are losing faith in human nature, go out and watch a marathon.” (“Se você está perdendo sua fé na natureza humana, vá ver uma maratona”).
De fato, há algo na maratona capaz de reunir, a cada evento, anos após ano, milhares de pessoas inexplicavelmente dispostas a se colocarem à prova em uma corrida de mais de 42km. São pessoas determinadas a ir muito além do que é pedido a elas, a fim de descobrir o que são capazes de conquistar. Mais do que um evento ou uma competição esportiva, a maratona é um teste do espírito humano.
As competições de atletismo tem um elemento a mais, presente em todos outros esportes, mas que aqui encontra seu cerne: o desejo. Ninguém vence uma corrida por ficar tocando a bola para ver o cronômetro correr. Não é possível fingir uma falta ou discutir se a bola foi dentro ou fora. A única coisa que se pede aqui é que se tente ir mais longe. Não existe outra opção ou nova saída: não há como vencer sem o desejo de vencer.
Não é por outro motivo que o símbolo da maratona de Boston é um unicórnio: a figura mitológica que representa aquilo que se ambiciona, mas que nunca pode ser alcançado. “É nesta busca que atletas competidores podem se aproximar da excelência (mas nunca atingi-la completamente). É esta ambição de se impulsionar ao seu próprio limite e ao máximo de sua habilidade que é o cerne da atlética”, sustenta a Associação Atlética de Boston.
O filme “Sem Limites” (1998) relembra outro momento em que a violência invadiu o mundo do esporte: o atentado nas Olimpíadas de 72. Nos momentos de dúvida se o evento continuaria ou não, a personagem de Bill Bowerman, fundador da Nike e um dos treinadores da equipe de atletismo dos EUA, diz a seus corredores: “Este assassinato de atletas israelenses é um ato de guerra. E se há um lugar onde a guerra não pertence, este lugar é aqui. 1200 anos. De 776 a.C. a 393 d.C, os atletas olímpicos abaixaram suas armas para fazer parte destes jogos. Eles compreendiam que havia mais honra em vencer um homem derrotando-o em uma corrida do que matando-o. Eu espero que a competição seja retomada, e se for, vocês não devem achar que correr… ou fazer lançamentos… ou pular… é algo frívolo. Os jogos eram a resposta que seus companheiros olímpicos tinham para a guerra – competição, não conquista. Agora, esta deve ser a sua resposta”.
Exatamente por isto, a tragédia de Boston choca tanto. Não foi mais ataque aos EUA, não é mais uma “onda de terror”, foram explosões anônimas em um espaço em que a honra e a vontade deveriam prevalecer. Letícia Genesini é escritora, designer e corredora aficcionada. Publicou os livros de poesia “umponto” e “entre” pela editora 7letras