Por Rodnei Corsini
Programa de Inclusão de São Paulo propõe colocar estudantes de escola pública, negros, pardos e índios em uma modalidade de ensino na qual os alunos ficam apartados das universidades
O governo de São Paulo apresentou uma proposta às universidades paulistas (USP, Unesp e Unicamp) para destinar metade de suas vagas a estudantes oriundos da rede pública, negros, pardos e indígenas. O PIMESP (Programa de Inclusão com Mérito do Estado de São Paulo) foi anunciado em dezembro passado, mas só foi divulgado aos docentes no final de fevereiro.
O clima é de confusão e de descontentamento nos campi. Muitas informações básicas ainda não estão claras. Em artigo publicado no último dia 12 na Folha de São Paulo, inclusive, as professoras da USP, Lilia Schwarcz e Maria Helena Machado, e o professor da Unicamp, John Monteiro ressaltaram seu desconforto com o programa e a falta de transparência com a qual aspectos importantes têm circulado. Não se sabe claramente sequer a autoria exata do projeto – se é do governo do Estado, dos reitores das universidades (como divulgado em reportagem do mesmo jornal) ou de ambos.
O programa pretende colocar os estudantes com melhor aproveitamento no Enem ou Saresp em um curso primordialmente à distância, preparatório, com duração de dois anos. Após essa etapa, os formados poderiam escolher as vagas oferecidas nas universidades: os alunos que tiverem aproveitamento de 70% no fim do primeiro ano terão direito à vaga nas Fatecs (Faculdade de Tecnologia do Estado); já a conclusão do curso daria acesso às universidades estaduais. Não se sabe como serão distribuídas as vagas nos cursos, mas o rendimento no PIMESP vai ser um fator de seleção.
A meu ver, o implemento da lei de cotas nas universidades federais trouxe uma política inclusiva ao ensino superior público. Já o PIMESP coloca um degrau a mais a estudantes que já se sentem, muitas vezes, fadados a permanecer em um lugar no qual o mundo parece lhes dizer para que não saiam. O PIMESP acentua ainda uma abordagem instrumental da formação, tratando o curso preparatório como um reforço ao suposto déficit dos alunos, um treinamento para a graduação.
Acaso existe treinamento para a vida? Para quem entende que a educação pública deve proporcionar acesso universal, cabe promover mecanismos para equalizar as vias de ingresso ao nível superior, não colocar os alunos em uma espécie de “purgatório”. Qual o seu pecado? Ousar querer uma vaga em uma universidade estadual depois de terem estudado em escola pública?
Utilizemos a psicanálise para ler esta situação. Uma análise não busca normalizar ou adequar alguém a um ideal, mas, sim, tirar o analisando do lugar do qual ele decidiu sair. A psicanálise ajuda, portanto, a pessoa a inventar a sua maneira de romper com o que lhe traz sofrimento, em vez de levá-la a atuar da maneira como esperam dela. Assim, uma pessoa que visa a ingressar em uma boa universidade, e não teve oportunidade prévia de se preparar para tanto, caso se beneficie de uma política de cotas, deveria poder se virar, inventivamente, com as lacunas da própria formação.
Assim, por que não lançar os alunos contemplados em programas de cota ao desafio instigante do convívio nos campi universitários em vez de apartá-los em um curso virtual? Por que criar mais uma barreira nos seus caminhos educacionais? Para lançar uma cortina de fumaça ao estágio alarmante das escolas públicas?
Concluindo, levantamentos feitos pela UERJ e pela Unicamp, divulgados em 2010, já indicaram que os alunos cotistas dessas universidades tiveram um desempenho acima da média. O aluno que se enquadra nas cotas e concorre a uma vaga no restrito ensino público superior, sendo aprovado dentro da via que lhe oferecem, pode ser convocado a dar consequência ao seu desejo, apesar das condições adversas, empíricas ou imaginárias.