Leitura na Escola: procuram-se parceiros! 26/02/2015

Por Carla Trucolo Trindade

Estaríamos em meio a uma grave crise coletiva de burrice ou haveria algo muito errado com a escola e o modo como a leitura tem sido ensinada a essa nova geração

“Um em cada quatro alunos da rede pública está no pior nível em português” – esse é o título da reportagem publicada, pela Folha de São Paulo, no dia 11 de dezembro de 2014. Trata-se de uma alusão aos resultados da Prova Brasil, avaliação federal aplicada aos alunos do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental de escolas públicas urbanas e rurais. O texto foi motivado pelo fato de que, pela primeira vez, o Ministério da Educação realizou uma tabulação das notas dessa avaliação.

Assim, percebeu-se que, no que se refere à leitura, segundo a reportagem, os dados são alarmantes: um em cada quatro alunos está abaixo do nível mínimo esperado em língua portuguesa. Dos 500 pontos possíveis, os alunos atingiram apenas 150. Para que se tenham exemplos, entre os alunos de 10 anos, as principais dificuldades apontadas são a não identificação de personagem protagonista em fábula e a não localização de informação principal em reportagens. Já entre os alunos de 14 anos, a dificuldade centra-se na não identificação de trechos explícitos em romances.

Para quem trabalha com educação, não é novidade que a carruagem da leitura não ande bem no país. Contudo, a informação de que um aluno não seja capaz de localizar a personagem principal de uma narrativa leva-nos a cogitar a possibilidade de, como dizem os mais antigos, haver “caroço nesse angu”.

Ao ler a reportagem, chegamos a, ao menos, duas possíveis explicações para os resultados apresentados: ou estaríamos em meio a uma grave crise coletiva de burrice ou haveria algo muito errado com a escola e o modo como a leitura tem sido ensinada a essa nova geração. Dentre essas, ficamos com a segunda. Quem conhece adolescentes sabe: quantos segundos eles levariam para responder que as personagens principais da saga Crepúsculo são Bella e Edward? Para quem não conhece, basta dar uma rápida olhada nas redes sociais e comunidades virtuais, para saber que esses alunos que não conseguem identificar personagens protagonistas são os mesmos que acompanham, assiduamente, sagas de enredo muito mais complexo do que o de uma fábula.

Não se trata de dizer que as provas deveriam testar a compreensão de literatura de entretenimento ao invés de fábulas ou de clássicos da literatura, mas de repensar a natureza da parceria entre professor e aluno. Uma parceria não é contingente, não pode ser firmada com qualquer um. Para que o aluno eleja o professor como seu parceiro de leitura, é preciso que o docente seja muito mais que um grande conhecedor da literatura ou da gramática; é preciso que ele seja interessante.

Vale dizer que a formação de leitores não tem relação com a idade do professor ou seu tempo de profissão, como sugeriu a presidente da Undime (União nacional dos dirigentes municipais de educação) à Folha, ao dizer que parte dos problemas de leitura dos alunos se deve ao grande número professores em início de carreira, atuando nas séries iniciais. Para nós, este é um trabalho que depende do nível de implicação do professor, de seu compromisso e, acima de tudo, das vicissitudes de seu amor.

Ao optar pela carreira docente, assumimos a responsabilidade de variar aquilo que, em 1910, Freud nomeava como “condições para o amor”. O professor inflexível insiste em trabalhar pautado nas suas próprias escolhas. Aquele que honra sua opção profissional se adapta aos traços de suas turmas para, por meio da parceria, formar alunos capazes de ler, compreender, criticar, intervir, construir. Saber quais os vídeos que os alunos têm assistido na internet, quais leituras têm realizado e qual a música do momento é fundamental.

Assim, para quem ficou preocupado com os resultados da pesquisa, vale, ao pensar no seu aluno com dificuldades de leitura, colocar-se uma questão singela: Como fazer com que ele embarque no meu universo se eu “torço o nariz” para o dele?

Carla Trucolo Trindade cursa mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e é professora de Língua Portuguesa para surdos, no Instituto da Oportunidade Social – IOS.