Larga a mão do clitóris! 19/09/2013

Por Alain Mouzat

O clitóris voltou a ser estandarte de luta?

Recentemente, recebi, via e-mail, a recomendação do documentário “Clitóris prazer proibido”, de 2004. O vídeo me mandou de volta aos anos 70 do século passado quando o Coletivo das Mulheres de Boston publicava Our body, ourselves, radical panfleto feminista que escancarou o corpo feminino.

Como falar da sexualidade?

Falar da sexualidade seria denunciar a repressão da sexualidade feminina? Seria discutir o esquecimento do clitóris da edição de 1949 do manual de anatomia? Ou ainda, poderia ser abordar as tentativas de repressão da sexualidade feminina nas internações psiquiátricas no século XIX ou a excisão do clitóris nas sociedades animistas?

As sociedades contemporâneas ocidentais já denunciaram bastante esses silêncios, essas repressões e conclamaram todos a se libertar dos tabus.

Então por que a sexualidade não está resolvida?

Porque falar do órgão e da dimensão biológica do corpo feminino não basta; mesmo a reivindicação do reconhecimento da especificidade da sexualidade feminina e do seu órgão não basta.

No documentário de 2004, um “especialista” reconhece: “a sexualidade não pode se reduzir a um nervo ou a uma substância liberada por um nervo”. Tem, de fato, que se levar em conta o relacionamento, a relação com o outro, o parceiro: “Se o relacionamento tiver problema, eles vão ter problemas na relação sexual”, diz outra especialista. Bom senso.

Em suma, um bom conhecimento do funcionamento biológico do corpo, uma boa higiene, condições saudáveis de relacionamento (a atenção do parceiro: quando este tira o lixo de casa, lembra do aniversário da sogra, para retomar os exemplos citados no filme etc.) são as receitas da “boa” relação sexual.

Mas os consultórios de psicanalistas estão cheios de pessoas para quem a receita não funciona: quando o homem atencioso não desperta o desejo da mulher, quando relações sexuais se dão em meio a brigas e tapas, amor bandido, amor degradado. Nesses casos, nada se resolverá pela higiene, seja ela biológica, seja ela do moralismo bem comportado.

Resta ainda uma pergunta: por que a sexualidade tem que ser entendida desvelando o mistério da sexualidade feminina?

A sexualidade masculina aparentemente não apresenta tanto interesse. Ou será ela referência tão firmemente ereta que clitóris só aparece como falo pequeno, mas inesgotável?

Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, e psicanalista membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana