Lacan, um escultor barroco do discurso – Suportar a cafonice, o outro nome do ridículo 01/09/2022

Helainy Andrade

Memória do encontro de 09/08/2022 do Curso da TerraDois, conduzido por Jorge Forbes.
 

Tempo um: Jorge Forbes se encontra com Gilles Lipovetsky.

Notícias desse encontro, em Paris: Lipovetsky está escrevendo um livro sobre a sobriedade, para responder ao kitsch – palavra alemã para “cafonice”.

Lipovetsky parte da ideia de que até o final do século XIX, o cafona era visto como algo desinteressante. O contraexemplo de cafonice, pra ele, é Balzac. Também os gregos, como Platão e Sócrates, para citar alguns, em suas mais diversas expressões, coincidem com a sobriedade e desconfiam do excesso.

No papel do advogado do diabo nessa conversa, JF levanta o argumento que positiviza a cafonice. Ele o constrói, o argumento, a partir do barroco, defendendo que o barroco é uma representação que excede. E, nos termos psicanalíticos, o excesso de representação é o gozo. O gozo é aquilo que excede às dimensões simbólicas. O artista cafona do momento é Jeff Koons[i].

O próprio Lacan, pondera Forbes, de certa forma, é cafona. Essa cafonice de Lacan na sua forma de vestir é correlata do seu gongorismo na sua forma de falar. Lacan é um Aleijadinho do discurso. Que definição linda, se é que posso falar em definir uma pessoa!  E essa sua forma de falar, as suas monstruosidades – o termo é do próprio Lacan: monstração  –  são tentativas de fisgamento do real.

E, acrescente-se a isso, o cafona da relação sexual. Lembremos, com o poeta, que todas as cartas de amor são ridículas e que, exatamente não seriam cartas de amor, se não fossem ridículas. Aqui, cafona e ridículo se equivalem.

Lacan sabia suportar o ridículo. Ele não cedia frente ao ridículo de sua própria figura. Exemplo conhecido é a conferência em Gante, na Bélgica, como ele segue com sua aula após o “incidente” com o bolo, causado pelo estudante da geração de 68. Se quisermos outro exemplo, há o livro “Lacan, o palhaço”. É um livro que analisa os excessos de Jacques Lacan.

Lacan é um pesquisador que usa o próprio corpo como pesquisa. Sua posição é tão respeitosa, quanto é desastrosa a de seus imitadores. Imitar Lacan é como copiar recadinhos prontos de amor, ao invés de escrever os seus próprios, pontua Jorge Forbes.

E, de volta ao movimento da sobriedade, ele vai funcionar? Não! Ao menos o próprio autor do livro que a desenvolve não se ilude. Para Lipovetsky, o movimento de sobriedade não vai funcionar porque existe o movimento de felicidade. E a felicidade é a moral da época. Ela expressa a filosofia positiva. As pessoas vão atrás de une vivre meilleure terrestre pas céleste: um viver melhor terrestre, não celeste.

Daí decorrem algumas implicações, uma delas: o consumismo é uma tecnologia de felicidade. Jorge Forbes o relembra de uma pergunta feita a ele, no IPLA, anos atrás, sobre a importância de diminuir as idas aos shopping centers. E G.L., na ocasião, defendeu a ideia de que não devemos atacar os shoppings centers, mas apresentar algo mais sedutor. Atualizando menos o tema que sua expressão, Jorge Forbes considera mais interessante transformar o caso da cafonice do hiperconsumo em algo desvalorizado, mais do que criticá-lo.  Como fazer isso? Ficamos com a pergunta.

Tempo dois: um pouco com Luc Ferry  

Na esteira do novo amor, para Ferry, a preocupação com o futuro do mundo é o bem maior.  Esse seria o farol do novo amor.

Luc Ferry e Jorge Forbes comentam as rupturas do século XX. Na pintura, Picasso. Na música, Schoenberg. No cinema, a nouvelle vague, com François Truffaut. Na dança, Pina Bausch. Rupturas que levam as pessoas a ficarem perdidas, na horizontalidade do laço social. Um exemplo é as pessoas criticarem Fake News acreditando que verdade é aquilo que a gente vê, aquilo que evidente. Assim, a crítica à fake news reforça a própria fake news.

Luc ferry destaca dois índices de como a sociedade ficou desprovisionada de orientação: o despencamento do marxismo e da religião católica, ao menos na França. Isso representa um caminho aberto à Psicologia Positiva.

Para fazer face ao que enfrentamos, Ferry, propõe o fim do anonimato na rede social. Assim, você tem alguém a quem possa responsabilizar. O contrário – proibir que postem Fake News – é completamente impossível.

Tempo 3: A Happycracia.

Do pesquisador espanhol Edgar Cabanas e pesquisadora israelita Eva Illouz, do que trata esse livro? Trata da indústria da felicidade.  

Há uma junção entre economia e felicidade. E há, ainda, a economia da felicidade.

A psicologia positiva teve um crescimento muito importante, porque ela convenceu que para se refletir economicamente, você tem que refletir com os índices da felicidade.

Na leitura de Jorge Forbes, pegaram o que é profundamente psicanalítico, a saber, a satisfação humana, e tentaram criar um modelo de como transformar essa felicidade em índice e como aplicar formulários sobre o índice de felicidade numa família, numa empresa, num país.  E convenceram os políticos e os economistas, dizendo da importância da psicologia positiva para o mundo todo. Quem fez isso foi Martin Seligman, psicólogo americano, considerado o pai da Psicologia Positiva. A beleza de sua revelação, isso é sim uma ironia, está na página 30, do livro em questão, em que ele conta num tom de testemunho religioso a revelação que teve de que devemos investir no que temos de bom, em lugar de tentar tratar o que vai mal. É algo assim.

Como lembra J.F., temos criticado a Psicologia Positiva e esse livro nos dá muita matéria para entender seu imenso sucesso, bem como entender o desastre a que isso vai levar. Vai levar a um pensamento superegóico, moralista. As pessoas vão ficar mais deprimidas. Nós já sabemos disso, mas temos dificuldades de falar isso. As pessoas estão embevecidas nisso. A nossa pergunta mais consequente é : como fazemos frente a isso?


[i] https://www.editionsstudioart.com/large-balloon-dog?gclid=Cj0KCQjw3eeXBhD7ARIsAHjssr9YOcn-skEsX71jAH6hGXoV6YQITXpbmdispqC_nztemmUky9NHcVYaApE9EALw_wcB