Por Dorothee Rüdiger
Ano da Alemanha no Brasil convida à mútua admiração, ao encanto pelas diferenças e à aposta que brasileiro com alemão dá samba
“Os alemães adoram os brasileiros” – palavra do Presidente da República Federal da Alemanha, Joachim Gauck, que veio pela primeira vez visitar o “país tropical”. O motivo? Estamos no Ano da Alemanha no Brasil, solenemente inaugurado na semana passada. Mas, por que os alemães gostam tanto do Brasil e dos brasileiros a ponto de imigrarem, há quase dois séculos, para o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo e para a cidade de São Paulo e região?
Como alemã que adora o Brasil e os brasileiros, posso dizer que não é só a natureza exuberante e cálida que atrai o povo acostumado com frio do hemisfério norte. Morando neste país há mais de trinta anos, descobri que é o povo brasileiro que encanta com sua alegria e, principalmente, com seu jogo de cintura. Ah, essa capacidade de encarar a vida com ginga é o que nós, alemães, mais admiramos!
Por outro lado, sabemos que os brasileiros também têm uma profunda admiração por nós. A disciplina, o profissionalismo e a seriedade, tão prezados pela cultura germânica, encontram do lado de cá do mundo muitos aplausos. “Quem me dera ter a ginga de uma brasileira”, já pensei muitas vezes. Encontrei quem me dissesse: “Quem me dera ter nascido alemão!”
Dado a construção do laço social entre esses dois povos, eis a questão: alemão com brasileiro “dá samba”? Na psicanálise dá! Quer ver? “O povo brasileiro ama o inconsciente”, disse Jorge Forbes, recentemente, em entrevista a respeito de Sigmund Freud. De fato, os brasileiros sabem muito bem lidar com o acaso, com o que Jacques Lacan chamou de “o Real”. Quando algo dá errado, os alemães costumam se desesperar. Os brasileiros não. Improvisam. Sabem muito bem o que é o savoir y faire ao qual uma psicanálise leva. Por outro lado, devemos à cultura germânica de Sigmund Freud e, principalmente, à sua disciplina diária, sua vasta obra. Sem o rigor da clínica e do estudo, não haveria psicanálise. Aí, a tal da disciplina germânica ajuda.
Por outro lado, vivemos num mundo onde as culturas se encontram e se tocam. Há muitos alemães que, como eu, escolheram o Brasil como segunda pátria. Outros tantos brasileiros escolheram a Alemanha. A convivência contamina. Quero citar um exemplo. Em Berlim, está em cartaz a Ópera do Malandro, uma produção com atores alemães e brasileiros. Quando os diretores da peça estavam selecionando atores para o papel do “malandro”, nenhum dos candidatos brasileiros era “malandro” o suficiente. Não tinha aquela ginga que estavam procurando. Eis que chegou um jovem alemão que tinha vivido durante dois anos no Rio de Janeiro. Causou. Movimentava-se, como se fosse um “carioca da gema”, com sotaque alemão, evidentemente. Ginga e savoir y faire tornaram-se virtudes de um alemão. E, quem diz que brasileiro não é disciplinado? Quem? A Escola de Samba é um exemplo de método. Sem disciplina a escola não desfila.
Vamos, portanto, neste Ano da Alemanha no Brasil, celebrar nossa mútua admiração, nos deixar encantar pelas nossas diferenças e apostar que brasileiro com alemão “dá samba”, e do bom!
Dorothee Rüdiger é psicanalista. Doutora em direito pela Universidade de São Paulo.