Julgamento do mensalão, um desabafo 16/10/2012

Por Dorothee Rüdiger

Ao estabelecer quem é culpado ou inocente, que atitude tomar diante dos limites da Justiça, quando verdade e razão tornaram-se relativos a um ou outro ponto de vista?

Assistimos ontem a mais um capítulo do julgamento do mensalão. A maioria dos ministros do STF condenou Roberto Jefferson e mais seis por corrupção. A novela, porém, não tem data para terminar.

Tudo isso me incomoda.  Como ex-militante petista, sinto vergonha por ter acreditado no partido. Como doutora em Direito, nutro a tola esperança de que a Justiça será feita.  Mas, como psicanalista, sei que a base moral do Direito está desmoronando.  As contradições no julgamento mostram uma sociedade na qual a verdade está se divorciando da Justiça.

Ingenuidade e má-fé, mocinhos e bandidos.  Em 2012, prevalece a mesma dicotomia de quando o escândalo explodiu, nos termos de um Direito cuja lógica está alicerçada na díade entre acusação e defesa, verdade comprovada e mentira, culpa e inocência. Colocar tudo no seu devido lugar: eis a tarefa do juízo. 

Há também outro elemento: a retórica. As partes do processo se pronunciaram em voz alta pelos que lhe emprestam a voz, os advogados. A questão é saber se esses advogados conseguem emocionar o juízo. Afinal, juízes são homens e mulheres que se deixam tocar pelas palavras.

Diante disso, o que é a verdade? Ela pode ser dita, pode residir nos autos? Para o Direito moderno, a verdade é uma questão de provas. Ter ou não provas da culpa, eis a questão da promotoria. Culpar ou inocentar, é a questão dos juízes. Mas todos divergem sobre a verdade dos fatos, sobre as provas, sobre a culpa dos réus.

Para a Psicanálise, além da verdade, há algo mais.  Freud descobriu uma outra cena e a chamou de inconsciente. Nessa cena, a verdade torna-se enigma, o amor, pedra no caminho, a vida, uma construção em torno de um estado de exceção.  Somos sujeitos divididos, como diz Lacan, somos seres da fala, seres retóricos. Sentimos uma satisfação paradoxal pelo que nos dá prazer e desprazer, estando na posição de quem manda e de quem é vítima. Somos responsáveis por aquilo que criamos, querendo ou não, sabendo ou não.  “Responsabilize-se pelo seu inconsciente”, diz Jorge Forbes.

Há tempos, o sujeito de Direito que obedece unicamente a sua razão é pura ficção. Os arrazoados nas peças processuais, quanto mais longos, menos conseguirão encontrar a verdade que sustentará a decisão do juiz. Uma decisão é uma escolha – que não necessariamente faz justiça.  

Que atitude tomar diante dos limites do Direito e da Justiça, quando verdade e razão tornaram-se relativos a um ou outro ponto de vista?  Essa questão paira sobre as cabeças dos integrantes do STF. Cada ministro chamado a tomar uma posição cada vez mais longe da moral e mais próxima da ética. Os réus não escapam da responsabilidade de ter seu nome envolvido no processo, sejam condenados ou não.

E qual será a postura que cada réu assumirá?  Lamentar e recorrer, ou responsabilizar-se pelas consequências de um ato político? Os acontecimentos de quinta-feira trazem algumas pistas. Aos que, como diria Weber, escolheram a política como vocação, o processo oferece uma chance: a de marcar ou manchar a história.