Por Bianca Leite
A exposição, no Instituto Tomie Ohtake, com obras selecionadas pela Fundação Joan Miró, estará aberta ao público até 23 de agosto. O que marca a sua arte?
Como criar o novo a partir da elaboração das experiências do passado reinventando constantemente sua própria vida e obra? Eis uma questão que pode levar quem se interessa por psicanálise a uma exposição do artista Joan Miró. Uma oportunidade de mergulhar na intimidade pictórica de Miró está acontecendo em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake. A exposição A força da matéria, que pode ser visitada até o dia 23 de agosto, mostra gravuras, pinturas, desenhos e algumas esculturas do artista catalão, que viveu entre 1893 e 1983. As obras foram selecionadas pela Fundação Joan Miró, de Barcelona, e cedidas pela família do artista para serem apresentadas ao público apreciador de arte, no mundo.
As obras estão dispostas no espaço expositivo de forma cronológica, desde o início da carreira do artista até a sua obra, na maturidade. O que faz de Joan Miró um artista que desperta interesse de psicanalistas é, dentre outros, o fato dele ter sido influenciado pelos artistas surrealistas, que ansiavam por uma pintura e uma escrita que desejava simplificar a realidade. Fundado por André Breton, um poeta e crítico de arte que viveu entre 1896 e 1966, o movimento surrealista, ao qual, por sinal, Jacques Lacan era muito próximo, tinha como base a ideia “de resolver a contradição até agora vigente entre sonho e realidade, pela criação de uma realidade absoluta, uma supra – realidade”. Dava importância ao onírico, ao irracional e ao inconsciente. Artistas do movimento fizeram uso da obra de Sigmund Freud e da psicanálise, levando para as artes plásticas e literatura o imaginário e os impulsos ocultos da mente.
Joan Miró debruça-se sobre os temas propostos pelo surrealismo com seu estilo próprio. Passa a sintetizar sua pintura, compondo obras que lembram pinturas primitivas, desenhos sem perspectiva, compostos apenas por algumas linhas que, geralmente, representam animais e pessoas. Miró faz uso de símbolos, tais como a lua, o pássaro e os astros como sendo elementos da noite, do céu e da terra.
No entanto, a arte de Joan Miró foi além da sintetização de formas e da representação de cenas surrealistas. Serviu ao artista para sobreviver às marcas deixadas por três guerras durante as quais viveu: a Primeira Guerra Mundial, a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial. Miró faz muito uso do preto quando, nesses períodos, elabora personagens em suas obras. Sugere traços, letras, olhos e lembranças de cenas noturnas. Talvez fosse assim que conseguia representar seu luto diante dos mortes causadas pelas guerras que presenciou. Sublimava, isto é, transformava em arte sua profunda decepção com a civilização, como diria Sigmund Freud.
O que marca a arte de Joan Miró é o fato de que, ao longo de sua vida, o artista tenha se preocupado com o rompimento dos cânones da arte acadêmica. Sua busca de uma pintura espontânea seguia o desejo de experimentar novas técnicas, de inventar e reinventar constantemente novas formas de se expressar. Como fruto dessa experimentação, o visitante encontrará na exposição, por exemplo, esculturas feitas pelo artista com materiais simples. Um boneco que fora esquecido pelo seu neto, uma lata velha de tinta, um guardanapo de tecido – objetos reunidos que formam esculturas fundidas em bronze. Quebrando os cânones das academias de arte, Miró representa em algumas esculturas partes do corpo feminino de uma maneira inusitada. Para o espectador dessa junção de formas femininas restam dúvidas: estaria o artista realmente representando o que está escrito na legenda? Se nas formas apresentadas dá para ver a cabeça de uma mulher ou o tronco de um corpo disforme, cabe ao espectador visitante decidir. Tocar antes de convencer e deixar ao público a possibilidade de, por sua vez, inventar sua perspectiva da obra faz de Joan Miró um artista que inaugura com sua arte a maneira de ler o mundo do século XXI.
Bianca Leite é educadora no Instituto Tomie Ohtake e estudante do 4° ano do curso de Artes Visuais da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho.