Por Dorothee Rüdiger
A fuga dos jovens da pós-modernidade para a pré-modernidade é mais um dos sinais de um mal-estar em nossa civilização
Filiaram-se aos guerreiros de Deus. Jovens alemães na casa dos vinte anos estão surpreendendo e chateando pais e parentes aparecendo seja em vídeos postados no you tube, seja ao vivo em praças públicas na Alemanha chamando em bom alemão carregado de sotaque regional para a Jihad, a guerra que está devastando parte do Oriente Médio. O que, segundo reportagem da emissora de televisão ARD deixa seus conterrâneos próximos boquiabertos é que os jovens nem eram até agora religiosos e nem descendentes de povos tradicionalmente islâmicos. Mesmo assim, aventuram-se nos combates do grupo islâmico extremista ISIS. De olhos azuis e de barbas loiras ou ruivas crescidas até o peito estão chamando para a no mínimo controvertida guerra santa dos que proclamaram no dia 1º de julho um Califado, um Estado teocrático, personalista e pré-moderno. Até pouco tempo discretos jovens de pequenas cidades alemãs, hoje lutam ao lado daqueles que são acusados de espalhar o terror na região entre o Iraque e a Síria. Seus pais estão mudos. Não sabem o que dizer e ainda menos como agir diante das ações de seus filhos.
O que deu nesses jovens? Cresceram tratados com o bom e o melhor que a família e o Estado democrático e social lhes poderiam oferecer. São sadios, cultos, informados, antenados. Porque então fugiram de suas cidadezinhas alemãs para se meterem numa guerra justificada por uma interpretação do Alcorão que, como comenta especialista em assuntos da cultura muçulmana, Charlie Cooper da Fundação Quilliam na folha de São Paulo, a maioria dos muçulmanos rejeita como reacionária?
A fuga dos jovens da pós-modernidade para a pré-modernidade não é uma questão de distância cultural no tempo e no espaço. É mais um dos sinais de um mal-estar em nossa civilização contemporânea globalizada chamado por Jorge Forbes de desbussolamento. Visto a partir dessa ótica, o que para a maioria parece absurdo, a ida para o oriente pode ser a procura de um norte de jovens que nasceram depois da queda do Muro de Berlim. Para eles, o mundo nunca foi outra coisa a não ser globalizado. Cresceram em sua maioria em famílias, nas quais dividir tarefas e o poder familiar está na ordem do dia. Desde o berço foram expostos a uma mídia ligada 24 horas por dia. Suas possibilidades de escolhas tendem a ser infinitas, ainda mais num país, no qual, embora haja também pobreza, dificilmente há miséria. Almejaram em meio ao anonimato e à rotina de uma sociedade bem organizada destacar-se, ganhar notoriedade. E conseguiram voltando as costas para essa sociedade.
Receio que não seja só isso. Diante de um mundo em crise querer “religar” o sentido perdido em torno do divino não surpreende. A religião é poderosa, quando se trata de estabelecer laços sociais, quando se busca encontrar sentido numa situação de caos. O que chama atenção no discurso dos jovens é que se chamam por “irmãos”. Se estão à procura de um pai, os jovens europeus que fugiram de casa para guerrear no grupo ISIS o encontraram. Pelo que se pode depreender da imprensa internacional, trata-se no caso do líder do grupo de um “pai” severo, para lá de severo. Exige o sacrifício de vidas e mais vidas.
Se, desnorteados, esses jovens alemães não encontraram em suas comunidades germânicas uma razão para viver, encontraram, além de um “novo mestre”, como diria Jacques Lacan, satisfação, não na vida, mas na morte. Há notícias que ao menos um dos jovens alemães morreu numa ação suicida. Ele deixou, em sua terra natal, parentes e amigos. Dentre eles, um alemão descendente de turcos e muçulmanos, desolado, comentou: “Não soube lidar com a liberdade. Coitado!”
Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo