Incerteza Viva. Viva! 29/09/2016

Por Dagmar Silva Pinto de Castro

Em um mundo mutante, a arte veio em meu socorro. Diante das certezas da ciência, ela diz: a vida é incerteza 

“Discutir incerteza demanda compreender a diversidade do conhecimento, uma vez que descrever o desconhecido significa interrogar tudo o que ressupomos como conhecido.” (32ª Bienal de São Paulo, 2016)

Entre o bombardeio das informações que jorram no dia a dia, duas notícias chamaram a minha atenção: A 32ª Bienal de São Paulo, com o título “Incerteza Viva”, e a notícia “Nasce um bebê pela nova técnica de ‘três pais genéticos’, no jornal El País, em 28 de setembro de 2016. A mesma notícia também foi veiculada pela Folha Ciência, com o título “Primeiro bebê com DNA de três progenitores nasceu no México”. Fiquei um tempo interrogando o que me levou a juntar esses mundos. Por que associar a arte com a ciência?  Dei um passo atrás e voltei, em um primeiro momento, para a proposta da Bienal. Saltou aos olhos o trecho que diz: “Discutir incerteza demanda compreender a diversidade do conhecimento, uma vez que descrever o desconhecido significa interrogar tudo o que pressupomos como conhecido.” Em um mundo mutante, a arte veio em meu socorro. Diante das certezas da ciência, ela diz: a vida é incerteza. Mas o que a incompletude do viver tem a ver com a ciência? Como uma tecedora, que tem nas mãos os fios para tecer e faz surgir dessa trama peças que vão se desenhando, dei movimento ao livre pensar. A primeira evidência surge da constatação do quanto fui forjada, em um único modo de pensar, a acreditar que ciência e arte foram configuradas como mundos diferentes.

Ainda sob o impacto da notícia do nascimento do primeiro bebê com DNA de três progenitores, um fio de ligação aparece. “O meteoro está cada vez mais próximo do avanço da ciência”, diz Jorge Forbes na abertura do curso TERRADOIS, do IPLA. Nos deparamos com uma era de revolução transhumanista, entendida, nesse contexto, como melhoramento da espécie humana. A reportagem registra que pela primeira vez uma criança é gerada com o recurso da técnica de reprodução assistida que utiliza o DNA de três pais e sem destruir embriões. A mãe, apesar de saudável, tem em seu DNA a síndrome de Leigh. Uma enfermidade rara e letal que já havia levado a óbito dois filhos do casal. A técnica foi desenvolvida em Newcastle (Reino Unido) e combina o DNA dos dois progenitores com a mitocôndria saudável de uma doadora mulher. O bebê, nascido há cinco meses, recebeu da segunda mãe 0,18% dos genes. Isso permitirá a essa criança inscrever uma nova possibilidade de viver sem carregar a doença a seus descendentes e sem que as características da doadora afetem suas características essenciais. É um bebê “melhorado” pela técnica e resultado dos avanços das pesquisas. Um salto evolutivo às possibilidades de manipulação do DNA.  Um futuro considerado longínquo, já presente.  

Por que o México foi escolhido se as pesquisas estão sendo realizadas em outros Centros, como Newcastle? Simples. A lei Geral da Saúde do México não contempla as técnicas de fecundação in vitro. “O que me parece mais estranho é que tenha sido realizado no México, já que por ora somente é legal no Reino Unido, e mesmo assim ali ainda não recebeu a licença. Se algo assim tivesse sido feito na Espanha, os médicos teriam ido para a cadeia”, acrescenta Montoya, da Universidade de Zaragoza.

Entre a celebração da notícia e seu impacto, é necessário trazer para a arena de debate esse tema. Torna-se indispensável conhecer a respeito das distintas posições, a favor ou contra, e suas ancoragens ideológicas. Será a nova humanidade fruto das revoluções provocadas pelo avanço da técnica e da ciência? A interrogação é um exercício necessário para problematizar tudo o que se pressupõe como conhecido. É despir o olhar de uma resposta já dada pelas receitas disponibilizadas. E a psicanálise, o que tem a dizer? Essa é a interrogação que norteia o curso TERRADOIS. Ressoa para mim a fala de Jorge Forbes e das pessoas que compõem esse grupo: Para a psicanálise, o aumento do conhecimento deve levar ao aumento da responsabilidade. A lógica da psicanálise é a da incompletude. Por maiores que sejam os avanços, a existência faltosa do homem não será tamponada. Os avanços científicos não serão capazes de dar um sentido pleno e absoluto. As expressões do humano variarão surpreendentemente, mas não a sua qualidade constitutiva, de um ser desejante, que duvida e faz escolhas. Nesse caminho, encontro na proposta da 32ª Bienal uma aproximação entre arte, psicanálise e ciência. O caminho será interrogar tudo o que pressupomos como conhecido. A nomeação inventada do que está fora da língua ao  darmos voz ao humano como ser de desejo: Incerteza Viva. Viva! 

Dagmar Silva Pinto de Castro é docente do doutorado do Programa de Pós-graduação em Administração da Unimep e participante do curso TERRADOIS – IPLA 

Referências: aulas do curso TERRADOIS/2016 – Jorge Forbes – IPLA

http://www.bienal.org.br/evento.php?i=2365

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/27/ciencia/1474989059_678680.html

http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2016/09/1817262-nasce-primeiro-bebe-que-incorpora-o-dna-de-tres-pais.shtml

Publicado em O Mundo visto pela Psicanálise, ed. 168 – 30 de setembro de 2016

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