Por Luc Ferry
Interditar o casamento aos homossexuais, mas aceitar a homossexualidade fora do casamento, é admitir o sexo e recusar o amor – o que é assaz paradoxal para meios conservadores
Sei que vou chocar, ou pior, decepcionar certos leitores, mas queria lhes dizer aqui em virtude de quais argumentos eu não posso ser hostil à adoção de uma criança por um casal homossexual. Após profunda reflexão estou convencido – e vou explicar –- que é preciso inverter a opinião comum que pretende que, a rigor, o casamento seja aceitável “entre adultos consentidos”, ao passo que a adoção, já que envolve um terceiro que não pediu nada (a criança adotada), deveria ser interditada. A verdade é praticamente o oposto, se refletirmos seriamente. De fato, é preciso ter consciência que hoje, na França, a adoção de uma criança por uma pessoa solteira – eventualmente homossexual – é totalmente lícita. O problema, então, não é de modo algum saber se a adoção é acessível aos homossexuais –- ela já o é de modo perfeitamente legal. Resta saber, agora, se ela será legalizada para o casal homossexual, no seio do qual, na prática, crianças adotadas já vivem.
Minha reposta é sim, mil vezes sim, pois em caso de falecimento do pai oficial, ou simplesmente de separação, o “segundo pai” não tem nenhum direito. Deve-se ainda acrescentar, se quisermos levar em conta a situação na sua globalidade, que muitas mulheres que vivem juntas têm recorrido, além dessa primeira possibilidade que é a adoção, a inseminações artificiais com doador (fáceis de ser realizadas nas nossas vizinhas Bélgica e Grã- Bretanha) para dar à luz a filhos que vêm se adicionar aos adotados. De modo que, no total, são entre 40.000 e 200.000 crianças que vivem , atualmente, numa situação de alto risco. Pois, insisto, em caso de desaparecimento do pai legal, o segundo pai não tem nenhum estatuto jurídico, o que pode levar a verdadeiras catástrofes humanas. É este o problema que deve ser resolvido de um modo ou de outro com a máxima prioridade – o que leva a reconsiderar a questão da homoparentalidade em termos muito diferentes daqueles que estamos, em geral, acostumados no debate público. Uma vez que, para agir no melhor interesse da criança, é, com toda evidência desejável, autorizar sua adoção pelos dois pais, ao passo que, no limite, o casamento poderia ser substituído por outra instituição que visasse melhorar a união civil. Isso posto, não basta modificá-la apenas no plano financeiro – acertar os problemas de fisco ou de pensões por morte –, mas é preciso sobretudo fazer com que esses milhares de crianças vivendo com casais homossexuais, e particularmente aqueles que não têm outros pais de uma união anterior, sejam protegidos contra os acidentes da vida. O casamento é, então, a solução mais simples. Acescento que interditar o casamento aos homossexuais, mas aceitar a homossexualidade fora do casamento, é admitir o sexo e recusar o amor – o que é assaz paradoxal para meios conservadores. Sustentar a causa do casamento homossexual é querer reconciliar os dois, amor e sexo. Vamos mais longe. Se a educação reside, não na filiação, mas na transmissão do amor, da lei e da cultura, não vejo bem em nome do quê se poderia argumentar que homossexuais seriam, nisso, incapazes. Contrariamente a uma opinião vigente, mas errada, os estudos de que dispomos mostram que as coisas não são mais complicadas para os filhos deles do que para os dos heterossexuais. Todos os pais, quaisquer que sejam, podem se confrontar com dificuldades. Contudo, ninguém jamais sonharia em lhes pedir uma habilitação para procriar, mesmo quando são manifestamente alcoólatras ou desequilibrados.
Enfim, deve-se salientar que não estamos numa conversa privada, onde se trataria de afirmar em alto e bom som, em nome de sua ética e de sua religião, sua posição pessoal. Todos têm opiniões, é óbvio, mas trata-se primeiro e antes de tudo de ampliar o horizonte, de se colocar no lugar dos outros, de apreender todos os pontos de vista, pois é esta a primeira exigência da lei republicana. Por essência, ela vale para todos e não só para mim. Nessa perspectiva, existe um princípio que devemos considerar como sagrado: não temos nenhum direito de proibir qualquer coisa ao outro sem que haja uma boa razão para tanto, isto é, uma razão que valha não simplesmente para mim, a título de opção pessoal, confessional, por exemplo, mas que possa e deva valer para todos. Isto serve para abrir os debates sobre bases verdadeiras. (Publicado, originalmente, no jornal Le Figaro, em 19 de setembro de 2012)
Tradução: Alain Mouzat