Por Helainy Andrade
Entre as chances de um câncer e as de evitá-lo, Angelina Jolie fez uma difícil escolha pessoal. É impossível fugir a um destino, mas é sempre possível ser sujeito de suas próprias escolhas
Angelina Jolie anuncia que escolheu cortar, literalmente, seu risco de ter um câncer nas mamas, assim como o que levou sua mãe. Ela achou por bem, de posse de uma probabilidade próxima de 90%, não pagar pra ver e fez dupla mastectomia. Se esperasse e a roleta russa parasse nos 10%, poderia se dizer que ela teve sorte e coragem. Mas, caso contrário, ela própria poderia pensar: “eu sabia e deixei acontecer”.
Tempos incômodos esses em que podemos encontrar o oráculo da revelação de nosso futuro! Na tragédia grega, sabemos o que aconteceu com Édipo, e hoje, como será que vai ser?
A imprensa comenta que a decisão é polêmica. Não sei, a decisão pertence exclusivamente a ela, Jolie, e é de foro íntimo. A questão, essa sim, me parece polêmica, porque nos lembra de nossa própria fragilidade, da qual não tomamos conta enquanto estamos no ritmo rápido da vida nossa de cada dia. O fato é que cada um de nós sabe que pode estar no lugar dela. Sua notícia nos sensibiliza pela adversidade da doença, a qual cada um está sujeito, mas mais especialmente, pela possibilidade que hoje temos de saber das doenças que teremos no futuro, provavelmente.
O que fazer quando um filho te pergunta se você pode ficar doente como a vovó ou o vovô ficaram e você sabe que a resposta é sim? Mas não é aquele sim que diz que é possível tanto para você como é para qualquer um. É um outro sim, o da probabilidade inegavelmente consistente de um teste genético.
E antes disso, é preferível saber ou não saber do que você pode adoecer num futuro? A questão ganha força hoje e se populariza quando uma atriz que levanta bandeiras, levanta mais essa e diz que publica sua decisão para que mais mulheres possam escolher também. Já é de longa data que a psicanálise e a genética, ao menos no IPLA e na USP, na pessoa de Jorge Forbes e Mayana Zatz, têm discutido os efeitos do saber disponibilizado pelos avanços da ciência genética. O que é constante nesse debate é o quanto que não há nenhum princípio moral que dê conta de aplacar a angústia de quem está, ou se coloca, no lugar de responder a esse impasse. A questão é, antes, ética e, como tal, solitária e arriscada. A decisão é acompanhada, no durante e também no depois, do frio na barriga de quem não tem a resposta certa em que se basear.
Houve tempo em que um saber era o que vinha depois de um problema e o resolvia. Hoje inversamente, ele se antecipa e nos lança uma questão. Ao invés de nos acalmar, nos desacomoda e inquieta. Há uma passagem em curso, a da possibilidade para a probabilidade. É que o que era uma chance qualquer está virando algo mais certo e pelo que podemos esperar. Hoje nossa impotência se reverte em potência que, por sua vez, trará uma nova impotência mais assustadora que a anterior. É um circuito fechado: “a uma doença fatal, agora posso me antecipar e escapar antes que ela chegue. Pronto! Não estou mais vulnerável a isso, ufa! Espera aí… mas e todo o resto, as ameaças que corro e nem sei, como posso me proteger?” Parece que temos ao menos duas alternativas frente a isso. Podemos aumentar nosso arsenal preventivo enquanto exibimos nossa fragilidade frente à morte, essa implacável por mais que adiada. Ou, incluirmos a consideração de que há um impossível para nós, enquanto formos humanos, a saber, nosso conhecimento aumentou a gama de eventos esperados, mas isso em nada tem a ver com reduzir nossos acasos e surpresas. A vida se faz a medida que a vivemos. Essa me parece ser nossa chance de sair dessa queda de braço da impotência versus potência e, quem sabe, não ter o mesmo desfecho do pobre herói grego que exatamente na fuga encontrou o destino de que tentava escapar.
Helainy Andrade é psicanalista em Varginha-MG e pesquisadora na Clínica de Psicanálise do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP