Hoje, que lugar para o médico? 17/03/2016

Por Alain Mouzat

Será que o médico terá que disputar espaço com máquinas e esteticistas? Lacan propunha outra solução

Duas notícias vindas da França no mesmo dia e que dizem muito sobre o estado da medicina:

Primeiro, a instalação numa cidadezinha do interior da França ameaçada pela desertificação médica (nenhum médico fica lá muito tempo) da primeira cabine de telemedicina instalada numa farmácia e à disposição do público. Antes havia, nas farmácias, balanças e medidores de pressão, agora a cabine oferece mais: tem instrumentos para medir, pesar, calcular o índice de massa corpórea, medir a pressão, saber a taxa de oxigênio no sangue, mas também um estetoscópio, um dermatoscópio (que permite o exame da pele e pode servir para identificar melanomas), e um retinógrafo (para exames de fundo de olho, por exemplo).

Não se trata de uma aventura comercial sensacionalista, mas de um experimento amparado por todos os órgãos de saúde social da França. Quer dizer, é para ser levado a sério. É o futuro da medicina que já chegou.

A segunda notícia também é loquaz: os médicos na França conseguiram preservar na justiça o monopólio da depilação definitiva (com luz pulsada) contra as reivindicações das esteticistas.

Lacan avisava no dia 16 de fevereiro de 1966 numa conferência debate no Colégio de Medicina no hospital da Salpétrière (há exatos 50 anos) que hoje a medicina tinha entrado em sua fase científica, e que o domínio da ciência estava modificando drasticamente a função dos médicos. Hoje eles se encontram confrontados com uma demanda de saúde sem limites – remédios são exigidos, e são oferecidos conselhos e diagnósticos on line para grupos de pacientes – demanda incentivada pela oferta dos laboratórios: para tudo tem remédio. Por outro lado, a sua “ciência” perde em consistência: um exame de DNA será mais facilmente interpretado por um geneticista…

Será que o médico terá que disputar espaço com máquinas e esteticistas? Lacan propunha outra solução, introduzir a psicanálise na formação do médico para ele poder interpretar a demanda, restituindo ao paciente a responsabilidade de sua posição de sujeito, e ao médico o espaço da honra de sua profissão.

Alain Mouzat é professor da Universidade de São Paulo, doutor em linguística, psicanalista e membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana.

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