Por Evandro Limongi Marques de Abreu
Ofensas em campo sempre existiram – os árbitros e seus auxiliares possuem, por isso mesmo, “duas mães”
Rosto simples, pele branca, olhar suave, até que, da boca de torcedora, foi disparado xingamento, que em Direito Penal é injúria; no caso, racial. A palavra que serviu de munição foi “macaco”, dita algumas vezes: ma-ca-co, para que fosse ouvido. Aranha, o goleiro da outra equipe, negro, alto, forte, que atuava com habilidade, foi arranhado e reagiu. Mostrou a todos com batidas da palma da mão em seu antebraço ter consciência de ter pele negra.
Havia outros torcedores, inclusive homem também negro, a vociferar. Foram gritos e gestos e sons característicos de primatas, tudo isso no afã de provocar o adversário no jogo, de maneira que vindo a errar permitisse gol da equipe local. Mas a imagem que foi selecionada à exibição foi a da jovem de 23 anos.
Ela perdeu o emprego, pôs o clube em risco (que a excluiu), responderá por seu ato, teve sua residência apedrejada e, com justo receio, ela e os seus, recolheram-se afastados do decorrente turbilhão repercutido na mídia à saciedade. Os demais quem são, onde estão, e o que lhes sucederá? Ah, a opacidade enigmática dos maldizeres…, ainda mais sob emoções à flor da pele, em meio à turba fervilhante! A palavra pode ferir. Mas, afinal, pelo quê? Deste infeliz episódio, reflexões mostram-se possíveis:
Ofensas em campo sempre existiram – os árbitros e seus auxiliares possuem, por isso mesmo, “duas mães”. Traço cultural específico ou falta absoluta de respeito? Existiria uma licença “para xingar” inerente ao jogo? Aliás, jogo de homens para homens? As arenas (sic!) re-produzem em sublimação a vida?
A jovem e os demais acham, de fato, que Aranha é um símio? Eles o insultariam se o time local estivesse ganhando? De que eles chamariam um goleiro branco? Em torcida, com uniforme, quem sou? Sou expressão do coletivo, a desconhecer líder ou superior exceto o gozo de tomar parte seja no que for, sem limites?
A reação do atleta evidencia o crer no insulto, a que Jorge Forbes referiu-se em “Você quer o que deseja?” ao que outro atleta, Daniel Alves, não cedeu, invalidando, com isso, o ato racista. Quem ouvirá mulher branca que tocou homem negro com palavra? A palavra dela valerá agora? Mario Lúcio desculparia Patrícia? O intempestivo da ação e da reação, o que revela? O racismo é execrável e o preconceito vive à espreita, mas se mostram mais em tom pastel que sob cores explosivas; assim sobrevivem, atravessam as épocas e tantas vidas. Apontá-los é fundamental, mas combate efetivo não há sanção legal dura ou ato de arroubo privado que lhe valha. Haverá estratégia outra!
Evandro Limongi Marques de Abreu é psicanalista, advogado e professor universitário