Goethe e século XXI – um cartão postal literário da Alemanha 31/07/2013

Por Dorothee Rüdiger

Histórias de amor e paixão fazem sucesso até hoje. As telenovelas tornaram-se um verdadeiro gênero literário mundial contemporâneo

Sei que não se enviam mais cartões postais das férias como se fazia antes da invenção das redes sociais e da possibilidade de postar milhares de fotografias a todo instante, para todo mundo e o mundo todo. Mas, resolvi mandar. Quero transmitir não somente um pouco do “astral” do lugar, como também minha saudade a quem, no Brasil, espera notícias. Escolhi, por assim dizer, um “cartão postal literário” para enviar lembranças da Alemanha. Afinal, o que há de bom nessa terra no coração da Europa são seus “poetas e pensadores”.

A ideia ocorreu-me ao assistir ao filme Goethe, que trata da história romântica do jovem advogado, Johann Goethe, autor do quase autobiográfico romance Os sofrimentos do jovem Werther. A obra poderia se tornar um “viral” literário que deixaria qualquer frequentador das redes sociais morto de inveja. Afinal, ao contrário dos vírus contemporâneos, a história não perdeu seu charme até hoje. Mas por que alguém, em pleno século XXI, deixaria de assistir à televisão ou de navegar pela internet para ler uma história de amor, relatada como se fosse uma série de cartas, e publicada numa cidadezinha no interior da Alemanha, em 1774?

Escrito por Goethe para dar conta da dor do amor impossível que nutria pela noiva de um amigo, Os sofrimentos do jovem Werther tornou-se mais que um best-seller na Europa. Virou um movimento. A paixão amorosa contra as convenções sociais e a morte do herói como meio para denunciar o absurdo dos casamentos arranjados tocavam os jovens da época, cansados de viver seguindo os ditames da razão. O amor deveria ser livre das leis da conveniência, seguir “tempestade e ímpeto”, como queria o movimento literário ao qual Goethe pertencia. No fundo, somos herdeiros da atitude que esses jovens tomaram para conquistar a união afetiva entre as pessoas.

Histórias de amor e paixão fazem sucesso até hoje. As telenovelas tornaram-se um verdadeiro gênero literário mundial contemporâneo, made in Brazil. Refletem com suas criações nossos desejos insatisfeitos, como escreve Sigmund Freud em O poeta e a fantasia (os tradutores de Freud preferiram intitular o texto como Escritores criativos). Usam, na maioria das vezes, o mesmo padrão: amores separados por vilões ciumentos que se encontram “depois de uma verdadeira novela”. Os autores ganham a simpatia do público pelo herói ou heroína que, diferentemente da vida real, escapam dos desencontros amorosos que a vida real costuma preparar aos que amam. É como se as novelas nos apresentassem a fórmula do amor, com a qual nós espectadores tanto sonhamos. São artistas, os escritores de novela. Pois não é nada fácil manter o público atento por tão repetidas vezes. Necessitam de muita criatividade para recontar a mesma história com tantas variações.

No entanto, poetas como Goethe e Machado de Assis nos tocam através dos séculos, não pelas soluções que oferecem. Permitem-nos, ao ler suas obras, nossas próprias fantasias. Não concluem.Dão asas à imaginação do leitor que encontra prazer na beleza das palavras, como diria Freud. Daí a importância de escritores como Goethe e Machado de Assis para os psicanalistas. Pois, assim como um poeta, um analista que se preze procura tocar com suas palavras o seu paciente. Não o convence com argumentos e nem com receitas de felicidade. Afinal, é a retórica, a arte de provocar mudanças de atitude que conta e não a busca de uma verdade e de suas fórmulas, conclui Jacques Lacan em sua segunda clínica.

O que fez com que a dor de cotovelo do jovem advogado se tornasse arte e o próprio autor se tornasse o “príncipe dos poetas” não foi simplesmente mais uma história de amor. Nem tanto a coragem de torná-la escandalosamente pública. Quem lê Os sofrimentos do jovem Werther não só, ainda que no século XXI, se sente tocado pelas palavras do poeta, mas chamado a amar. Custe o que custar!

Dorothee Rüdiger é psicanalista, Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo