Por Dorothee Rüdiger
Na era das redes sociais, inventamos uma cidade global, na qual o estádio do Pacaembu pode ser transferido para Tóquio e Yokohama
Quem, na quarta feira passada, 12 de dezembro, teve a sorte de interromper o serviço para assistir o jogo do Corinthians contra o Al Ahly em Tóquio, viu cenas que, há poucos anos, surpreenderiam os espectadores. Japoneses (e não eram “os nossos”), vestidos com camisas, gorros e casacos alvinegros pulavam e cantavam (com sotaque, é claro) por entre a torcida da Fiel. “Timão, êô…” Enquanto isso, no Brasil, torcedores de outros times que não tiveram a sorte e o desempenho de estarem no lugar do Corinthians estavam em frente à TV “agourando” o jogo. Torcer pelo adversário? Nem morto!
O que leva são-paulinos, palmeirenses e outros torcedores pátrios a torcerem pelo Al Ahly? O que leva torcidas arqui-rivais do Manchester United e do Manchester City a unirem-se sob as faixas de “Vai Corinthians” que apareceram naquela cidade britânica?
O jogo de futebol é um dos jogos mais emocionantes já inventados. Afinal, nunca se sabe para onde a bola vai rolar. Ela é redonda. Ela é como uma mulher, imprevisível. Futebol é o jogo da globalização. Nos reserva a cada momento uma surpresa. – os são-paulinos que o digam! Dá margem para o inédito, o acaso, a violência e a criatividade para driblar as dificuldades que apresenta. Globalização e futebol lembram a presença do que Jacques Lacan chama de “Real”. Na vida, “é preciso saber viver” para …. às vezes perder, às vezes vencer, às vezes empatar.
Algumas décadas atrás, torcia-se pelo time representante da Nação: brasileiro para o time do Brasil, inglês para o time da Inglaterra, argentino para o da Argentina e assim por diante. Tudo que unia os cidadãos era a Nação a qual pertenciam. Hoje, estamos ligados pelas redes sociais. Mostramos as caras e tweetamos uns aos outros em muitas línguas mundo afora. Está cada vez mais evidente que somos, como dizia Lacan, “seres falantes”. Somos capazes de construir um mundo pela fala nas mais variadas línguas. Nesse mundo, um time paulistano pode, nem que seja durante apenas um jogo, ter torcedores em Buenos Aires e Manchester. Inventamos uma cidade global, na qual o estádio do Pacaembu pode ser transferido para Tóquio e Yokohama. As cidades japonesas tornam-se bairros paulistanos. Manchester está logo aí e já acordou com os gritos da torcida fiel: “Go, Corinthians!”