Por Dorothee Rüdiger
No que se refere ao estabelecimento dos laços amorosos, o pai da psicanálise não era tão partidário da díade “papai-mamãe”
Quem diria! Sigmund Freud entrou no fogo cruzado da contenda envolvendo os conservadores que defendem a família tradicional e os políticos que, com o aval de juristas, estão mais propensos a legalizarem o casamento e a paternidade homoafetivos. Após causar discussões nos meios políticos, religiosos e intelectuais, a questão chegou finalmente ao terreno dos psicanalistas, onde também provoca uma ruidosa divisão de opiniões.
Na França, berço da atual polêmica, há, do lado da tradição, a posição de Jean-Pierre Winter, porta-voz de quem defende o Complexo de Édipo como fundamental para a formação psíquica do ser humano, um grupo que não deseja “matar pai e mãe”. Do outro lado, estão os lacanianos, liderados por Jacques Alain Miller que, embora críticos de uma interpretação vulgar da obra de Sigmund Freud que culmina no lema “Fora do Édipo não há salvação”, atribuem a Jacques Lacan o mérito de fazer a psicanálise aceitar as mais diversas possibilidades de formação de laços amorosos.
Mas será que Sigmund Freud era tão a favor do “papai-e-mamãe” no que dizia respeito à sexualidade humana? Vale a pena ler o que ele escreveu em 1905, nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade:
“A pesquisa psicanalítica volta-se veementemente contra a tentativa de se separar os homossexuais dos outros seres humanos, como se fossem pessoas que pertenceriam a um grupo especial. Estudando outras manifestações da excitação sexual, percebeu que todos os seres humanos são capazes de escolher um objeto sexual do mesmo sexo e que esta escolha se realiza, inclusive, no inconsciente… À psicanálise parece a independência da escolha do objeto em relação a seu gênero, a livre disposição sobre objetos masculinos e femininos, tal como pode ser observada na infância, nos povos em estados primitivos e nos tempos pré-históricos ser a origem que serve como ponto de partida do desenvolvimento, por meio da castração, rumo à sexualidade normal ou invertida… Para a psicanálise, o interesse sexual exclusivo do homem pela mulher é um problema que também carece de elucidação, uma vez que não é obvio que se baseia na atração química. A decisão sobre o comportamento sexual só é tomada depois da puberdade. Em geral, a pluralidade de seus fatores determinantes tem seu reflexo na diversidade dos êxitos no comportamento sexual manifesto dos seres humanos.”
Freud já sabia. Maktob.