Flores ao relento 15/05/2014

Por Caetano Imbo

Neste mundo, onde a emancipação da mulher parece ser uma conquista definitiva, há ainda quem pensa que o lugar da mulher é na cozinha

O sequestro de mais de 200 meninas de um colégio interno na cidade de Chibok, na Nigéria, em 14 de abril, pelo grupo rebelde islâmico Boko Haram, é rastro de muitos casos que abalam e atormentam as mulheres africanas. Atormenta também a nós, cidadãos, que assistimos na mídia ao drama dessas meninas e de seus pais, pois discordamos, junto à comunidade internacional, desse ato brutal e inaceitável. Vivemos em um mundo sem fronteiras, onde a cultura e a modernidade não podem e nem devem se distanciar uma da outra. Ambas andam de mãos dadas!

Nesse mundo, onde a emancipação da mulher parece ser uma conquista definitiva, há ainda quem pensa que o lugar da mulher é na cozinha, sendo que seu papel se restringiria a casar, ter filhos e tratar de tudo o que diz respeito à vida doméstica. O machismo predomina e opera nessas mentes carregadas de ignorância cunhada nas culturas, nos usos e costumes.

Ao longo da história, vimos que a mulher se esforçou para conquistar a liberdade de escolher o que quer ser e o que deseja fazer na vida. As mulheres africanas não são exceção. Ao contrário do que Boko Haram prega, as mulheres africanas podem escolher se querem trabalhar fora de casa, ocupar altos cargos na sociedade aproveitando as oportunidades que uma educação familiar e escolar pode oferecer. Têm o direito de escolher se querem ser muçulmanas ou cristãs, esposas ou solteiras. Esse direito pertence somente a cada uma delas e a mais ninguém.

Há muitas mulheres africanas que souberam escolher. A cantora Rokia Traoré, por exemplo, com sua gingada singular, mistura a tradição e a modernidade em sua música. Essa artista viveu na Europa e em diversos países da África; depois retornou ao Mali e retomou as tradições nacionais. Ela incorporou-as em sua arte, o que proporcionou um vasto mosaico cultural, que enriquece e liberta as mulheres africanas.

Quando governantes esquecem que são eleitos para servir o povo, quando se perde o norte e quando se predomina a corrupção, insurgentes e covardes aproveitam para usar da religião e da cultura tradicional para cunhar as suas ideologias saudosistas. Nesse caso, a corda acaba quebrando e sempre atinge a parte mais frágil da população, as mulheres e as crianças. Deixadas ao relento, as meninas continuam na esperança de socorro. Mas, de onde virá esse socorro? Dos pais e mães desolados, do governo, da comunidade internacional?

Enquanto o socorro não chega, as meninas ficam como as flores no campo, queimadas pelo sol forte e, de madrugada, molhadas pelo orvalho.

Caetano Imbo é guineense, poeta e graduado em Letras pela USP.