Por Claudia Riolfi
Enquanto as aulas não chegam, quem poderia fazer companhia aos nossos pimpolhos? Um espertíssimo garoto de 12 anos dá a dica: a saga literária “Percy Jackson e os Olimpianos”. Livros estão entre os mais vendidos pois interpretam pais e crianças
Crianças de férias, pais e mães no trabalho. Alguém conhece combinação mais tediosa para uma criança? De seu ponto de vista, as horas do dia parecem se arrastar mais lentas do que a própria infância e, longe dos companheiros da escola, a solidão faz ninho. Neste contexto, quem poderia se prestar a ser um bom amigo para nossos pimpolhos? Para escrever este trabalho, ao invés de me lançar em elucubrações tão imaginativas quanto inúteis, perguntei a um especialista: Domenico Riolfi Barzotto, 12 anos.
Sem piscar os olhos, ele respondeu: Percy Jackson e sua turma. Era uma referência à coleção de cinco volumes Percy Jackson e os Olimpianos, publicada pela editora Intrínseca. Muita gente deve concordar com ele, pois, até o presente momento, a saga já vendeu mais de 10 milhões de exemplares pelo mundo, tendo permanecido por 155 semanas na lista dos mais vendidos do jornal norte-americano The New York Times. Como, tendo a psicanálise como chave de leitura, explicar tamanho sucesso de bilheteria?
Após ter lido os cinco volumes (confesso, de um fôlego só) em busca de boas perguntas, entrevistei Domenico. Partilho suas lições.
O Mundo. Visto pela Psicanálise: Em sua avaliação, por que as crianças de todo mundo estão lendo Percy Jackson e os Olimpianos?
Domenico Barzotto: Rick Riordan, o autor, conseguiu trazer elementos da mitologia grega, que as crianças conhecem só de ouvir falar, para o contexto atual. Sua síntese ficou muito boa. Ele não se limitou a justapor duas realidades. Fez uma união de passado e presente para inventar uma terceira realidade, inédita, de perder o fôlego.
O Mundo. Visto pela Psicanálise: Percy Jackson, o personagem central, é um semideus, filho de Poseidon, deus do mar, com uma humana. Você acha que muitos meninos leem este livro porque tem vontade de ter um pai superpoderoso?
Domenico Barzotto: Eu não diria isso. O começo do primeiro livro da série dificulta bastante a identificação com Percy. Nas primeiras páginas, ele apresenta sua situação como sendo enlouquecedora. Ele sequer conhece o pai. Tão logo descobre quem é, fica sabendo que ele tem inimigos ainda mais poderosos, no caso, Zeus em pessoa. Percy diz, por exemplo: “Ser um meio-sangue é perigoso. É assustador. Na maioria das vezes, acaba com a gente de um jeito penoso e detestável.” A cada passo que ele dá, aparecem cinquenta e dois monstros. Em suma, o que fica claro, é que, filho de um deus ou não, ele vai ter que se virar com seus próprios meios.
O Mundo. Visto pela Psicanálise: Se é bastante comum que os pais recomendem livros aos filhos, é menos comum que o contrário aconteça. Por que você recomendou a sua mãe que lesse a saga?
Domenico Barzotto: Eu imaginei que seria uma série capaz de prender a atenção de todas as faixas etárias. Ao contrário de muito livro infantil, não trata de um assunto bobo. Ele consegue pegar traços da cultura atual e mostra seus problemas de modo muito interessante. Mostra, também os conflitos dos personagens que, a julgar pelos meus amigos, são comuns a todos. Não são coisa de personagem, são coisa de ser humano.
O Mundo. Visto pela Psicanálise: Na saga, os personagens centrais consultam um oráculo e tem um destino para seguir. Você não acha complicado as crianças lerem a saga e ficarem acreditando em destino? Não podem, por exemplo, se tornarem preguiçosas?
Domenico Barzotto: Não, eu não acho. As profecias do oráculo sempre envolvem uma ação e uma consequência. Não são claras. A pessoa nem fica sabendo direito qual é a ação e, nem, muito menos, o preço a ser pago por ela. O oráculo não é um imperativo. Se você leu a história, sabe que ele funciona para confirmar o que a pessoa já sabe. É como se ele estivesse o tempo todo dizendo: Sim, é isso. É isso mesmo o que realmente você tem que fazer. Interpretar o “isso” fica por conta de cada um.
O Mundo. Visto pela Psicanálise: Você é filho de uma psicanalista. Se você fosse fazer uma comparação entre o trabalho da sua mãe e algum personagem ou situação desta série, qual seria?
Domenico Barzotto: Acho que um psicanalista é como a deusa Héstia, a deusa da lareira e do lar. No livro “O último Olimpiano” ela, aparentemente, está em posição bastante secundária. Ela sacrifica sua vaidade. Não briga, não mata monstros, não usa poderes espetaculares. Héstia é muito forte, mas não abusa da força para não causar catástrofes. Chegou, inclusive, a abrir mão do trono para Dionísio entrar no Conselho dos Deuses e, assim, evitou uma guerra. Só que, lendo o livro todo, a gente descobre, só no fim, que foi ela quem deu rumo para a história. Sem o seu trabalho, todos os personagens teriam ficado perdidos. Dando pequenos toques aqui e ali, ela dirigiu a jornada. Confesso que nem me surpreendi quando descobri que, ao contrário das expectativas, era ela, e não um herói, “O último Olimpiano”. Ou seja: com muito fogo e poucas palavras, Héstia foi a salvadora da pátria. Quando eu escuto minha mãe descrever seu trabalho, lembro-me de Héstia. Ao que parece, uma psicanalista é aquela que, silenciosamente, dá um norte para quem se perdeu de si.