Por Liége Selma Lise
Frequentemente, somos tomados por um sentimento de melancolia no Natal, e fica difícil terminar a ceia sem um desentendimento. Mas é bom lembrar que o Natal pode ser um tempo vivido com os matizes da tradição, e reinventado nos sentimentos que desejamos que frutifiquem no futuro
Lembro-me do dia em que, voltando da santa missa, não queria consentir com a ideia, reiterada por meu pai, que não era o Papai Noel quem me traria naquela noite os presentes de Natal. Ainda assim insistia, tentando buscar alguma evidência e convencê-lo de que sim, o simpático velhinho por ali havia passado! Era só procurar bem, encontraríamos as pistas: marcas do salto das suas botas nas escadas, vestígios de um embrulho no alpendre que ele apressadamente havia deixado cair, ou até mesmo, cansado e com fome, havia provado dos pratos da ceia!
Giorgio Agamben em seu livro Profanações, citando Walter Benjamin, afirma que a primeira experiência que a criança tem do mundo não é a de que os adultos são mais fortes, mas sua incapacidade de magia….”É provável, aliás, que a invencível tristeza que às vezes toma conta das crianças nasça precisamente dessa consciência de não serem capazes de magia.”
Por que, no período de Natal, às vezes nos bate um sentimento de melancolia? Eu tendo a pensar que o Natal remete à nostalgia, à tradição, à reunião familiar, aos preparativos culinários, à troca de presentes… No extremo, chegamos a viver o “Natal-mania”; uma euforia quase obrigatória de seguir certos protocolos, alguns fortemente alimentados pelos anúncios publicitários. Ao não corresponder a esse imperativo de felicidade, ficamos em desalinho com a ideia pré-fabricada de uma época sublime e perfeita.
O famoso “espírito natalino” é a alusão maior ao amor representado pelo nascimento do menino Jesus. Amor que se expressa nos rituais cristãos, nos gestos solidários, nas intenções e felicitações desejadas, nas expressões de afetos fraternos. Mas Freud já afirmou que nós humanos não somos aptos à vida em grupo, e que uma parcela muito grande do nosso egoísmo e dos nossos impulsos precisa ser abdicada para o convívio com o outro. Sendo honestos; mesmo com todo “espírito de Natal”, muitas vezes mal conseguimos terminar a ceia sem demonstrar sinais de descompasso com nossos pares. Feliz Natal, para quem?
Porém, na repetição do Natal, podemos fazer, a cada ano, tudo de um jeito novo. Novos encontros. Novas tratativas. Novas intenções. Inspirados na ilusão, ingrediente fundamental para os nossos sonhos. O Natal pode ser um tempo vivido com os matizes da tradição, e reinventado nos sentimentos que queremos que frutifiquem nos dias que estão por vir.