Por Liége Lise
Embora até governos estejam olhando para a felicidade como um bem desejável, como mensurar uma experiência que depende do acaso e da surpresa?
Uma pesquisa recente do Instituto Akatu indagou a 800 brasileiros dos quatro cantos do país a seguinte pergunta: “para você, o que é felicidade?” Para 60% dos entrevistados, conviver bem com a família e os amigos os faz mais felizes. A afetividade foi o indicador que despontou em comparação a todos os outros índices, como tranquilidade financeira e posse de bens.
Incluir a felicidade nos parâmetros de desenvolvimento é uma tendência. Segundo reportagem de 30 de abril da Folha de S. Paulo, a ONU (Organização das Nações Unidas) começa nesta semana a elaborar uma resolução que busca um “padrão holístico” para medir o desenvolvimento dos países, com outros critérios, além dos econômicos, para mensurar a felicidade e o bem-estar dos povos. O “índice da felicidade” será pauta do Rio+20, que acontecerá em junho no Rio de Janeiro.
É possível medir uma experiência subjetiva e singular como a felicidade? Quantificar emoções únicas em critérios universais e passíveis de aplicação em culturas tão diferentes? Grande tema da filosofia, incansável busca humana, argumento maior dos livros de autoajuda, a felicidade não ganha sua melhor definição no plano do cumprimento das necessidades, das adequações materiais e dos padrões morais.
Para a psicanálise a felicidade tem haver com a surpresa e o acaso. Diz de uma satisfação pessoal, efêmera, que excede, que não pode ser replicada e muito menos servir de modelo para o outro. Não se trata de um estado de ser permanente – se assim o fosse seria até insuportável! Ela tem haver com o estar, com o momento que arrebata e surpreende. Com uma experiência que você vive apesar de você, pois ela causa estranhamento. Não é fruto do esforço, do sacrifício, de ser bom, de fazer o bem.
No artigo “Fogueira de felicidades”, Jorge Forbes afirma que, “ao contrário do bom senso – que sempre pensa mal – a felicidade não é bem que se mereça. Como diria o poetinha, ela vem da arte do encontro, do acaso, da surpresa, a tal ponto que quando estamos de fato felizes entramos em crise de identidade, se perguntando quem é esse cara, esse cara sou eu? Para ser feliz uma só dica: aguentar nem que seja por um instante o amor que não se compreende, que explode qualquer cenário, que nos leva a habitar o mais forte que eu.”
Felicidade tem a ver com graça e encantamento. Giorgio Agamben, em seu texto Magia e Felicidade, afirma que “o que podemos alcançar por nossos méritos e esforço não pode nos tornar realmente felizes. Só a magia pode fazê-lo”. Daí a felicidade não responder a prerrogativas morais ou ideias de comportamento. Sua expressão não está em objetos ou bens materiais, nem associada a lugares ou condições ideias, ela está na perspectiva de uma experiência de satisfação que passa pelo corpo, pelos afetos, pela emoção e que, via de regra, a palavra não consegue traduzir.