Por Helainy Andrade
Os pais, ou quem esteja na posição de provedor, precisa suportar, primeiro para si, e em seguida para quem lhe demanda que não tem o que supostamente o completaria
Num certo momento da relação, o filho vira para o pai e diz “Eu não gosto de você”. Às vezes não exatamente com essas palavras. Há variações mais brandas, tipo “Seu chato” ou “Feio!” ou mesmo mais hard, como um enfático “Eu odeio você”. Nesse caso, diz-se que a melhor resposta seria “Eu também te amo.”
Isso não é para escandalizar os pais de boa vontade. Ao contrário, na verdade quem nunca ouviu isso ou algo que o valha, deveria começar a se perguntar como está sendo esse exercício da função paterna e função materna. Como é isso? Explico: de modo geral, salvo infelizes exceções, começamos a vida servidos de tudo que pudéssemos precisar. Basta um gemido, ou apenas um bocejo, que lá está o leite na boca, a fralda seca para trocar e o colo para ninar. Tudo para aplacar o provável mal-estar. É com a melhor das intenções que ensinamos a nossos filhos algo que se reverterá por vezes em uma ilusão: nosso zelo e dedicação, desde muito cedo, lhe dá pistas de que muito lhes é devido. Talvez, para ser mais exato, o que uma criança pensa, é que ela precisa ter nada menos que tudo o que tiver vontade. E é fácil os pais embarcarem nesse engodo, especialmente quando acham que serão melhores se derem aos filhos o que não tiveram.
O que fazer? Para o psicanalista Jorge Forbes, a melhor resposta frente às exigências intermináveis não é “Te dou” nem “Não te dou”, e sim, “Não tenho”.
Os pais, ou quem esteja na posição de provedor, precisa suportar, primeiro para si, e em seguida para quem lhe demanda que não tem o que supostamente o completaria. Isso nos dois sentidos: não tem para si e menos ainda para o outro. Os menos tolos são os que viveram o suficiente para saber que o ser humano não se contenta com seus objetos de desejo. Tão logo eu conquiste o sonhado carro ou a batalhada vaga no curso escolhido, já me vejo de novo sentindo a falta de algo. Isso porque o que nos mantém realmente vivos é o movimento, a busca ou o que a psicanálise chama de desejo. Assim, ao dizer “Não tenho” aquele que até agora fora o provedor está fazendo algo que equivale a mudar a fase do vídeo game: está permitindo que o outro se libere da expectativa paralisante de que alguém tem a felicidade para lhe dar. E ainda o melhor, a relação sai da hostilidade: não é que o outro não queira me dar porque resolveu me prejudicar. Não, é que ele também não tem.
Helainy Andrade é psicanalista em Varginha-MG e membro do Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA-SP.
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