Por Evandro Limongi Marques de Abreu
Será que o mundo desabou para os brasileiros nas 24 horas em que o aplicativo WhatsApp ficou bloqueado?
Magistrados servem ao povo decidindo causas com o Poder da investidura estatal. Solucionam, provocados, questões conforme a Constituição e a Legislação. Interpretam fatos e não podem deixar de aplicar o Direito. O resultado a que chegam pode ser impugnado, e, para tal, examinam-se os fundamentos empregados, apontando erros que possam resultar, conforme outros magistrados, em algo diverso.
Mas … e quando a decisão é desproporcional e sai a imiscuir-se do jurídico no político? E se ela irrita a coletividade e desperta, além da curiosidade e até da agressividade, o viés usual (por vezes, ácido) da pilhéria?
Devido a investigação sigilosa acerca de tráfico de drogas na região centro-sul do Estado do Sergipe, que vem desde 2013, o magistrado da única vara criminal da comarca de Lagarto, município de mais de 100 mil habitantes e o maior do interior (a 80 Km de Aracaju), atendendo a requerimento de autoridade policial federal, e considerando ser esta a pior expressão de criminalidade local, resolveu, devido a conversas de envolvidos a driblar (pela inacessibilidade de seu conteúdo) as investigações, mandar bloquear em todo o país o aplicativo de nome WhatsApp.
O juiz, que já havia decretado a prisão do vice-presidente da empresa proprietária do aplicativo no Brasil, deixou uns 100 milhões de usuários sem comunicação, ainda que consistindo esta nas famigeradas correntes religiosas, melosas mensagens motivacionais e venenosas de ódio político, inesgotáveis bons dias ou boas noites, e mesmo extasiantes nudes…
A empresa argumentou não haver, tecnicamente, como atender à ordem do magistrado. Este, entendendo que a empresa deveria obedecer a legislação pátria, passou por cima do Marco Civil da Internet (lei 12.965/14) e concedeu liminar. A medida de bloqueio por 72h imposta acabou durando só 24h, sendo derrubada por um outro magistrado, de instância superior – um desembargador. Contudo, provisoriamente, apenas, posto que o caso ainda acabará por ter solução definitiva.
Ora, às perguntas: o Poder potencializa o Eu? O quanto pode um juiz frente a um país? Por que não decretou um bloqueio local ou regional, se efetivamente útil e não de retaliação? Por outro lado, com tantos aplicativos alternativos disponíveis (mais de 10, sendo uma de forte criptografia), por que nosso mundo desabaria? Somos assim, todos, tão dependentes?
Mas houve alívio para alguns: primeiro, aos da bandeira anti-tecnologia – adoraram a medida do magistrado; segundo, aos livres por um tempo das chatices – respiraram; e, terceiro, aos indisciplinados forçados a colocar em dia tarefas postergadas e, pasmem, que telefonaram, se encontraram e até conversaram face a face com outros seres humanos.
Evandro Limongi Marques de Abreu é advogado, professor universitário na área do direito e psicanalista em Curitiba – Paraná.
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