Entrevista com Mateus Ferraz, 33, brasileiro, sétimo colocado no Mundial de Corrida de Aventura na Costa Rica 2013 13/02/2014

Por Liége Lise

O esporte de aventura é um amor sem justificativa – um amor que vale a vida e o risco da morte

Como foi seu encontro com o esporte de aventura?

Minha paixão pela corrida de aventura nasceu quando, menino, assisti pela primeira vez ao “Eco-challenge”, no Discovery Channel. Fiquei fascinado com o esporte e por anos cultivei o sonho de um dia correr uma prova como aquela. Mais que uma modalidade esportiva, é uma escolha que orienta a minha vida.

Minha primeira corrida de aventura foi em março de 2007, na cidade de São Lourenço (MG), o Brasil Wild. Ganhamos a prova em uma disputa apertada. Isso fez com que algumas portas se abrissem para mim. Acredito que quando queremos algo verdadeiramente, vai-se em direção do impossível. Dediquei-me em aprender tudo dessa modalidade e entreguei de mim o melhor nesses seis anos.

O que é o esporte de aventura para você?

O esporte de aventura é um amor sem justificativa. Um amor que vale a vida e o risco da morte. Sem justificativas, porque é inexplicável, não dá pra entender pelo bom senso. Só quem já viveu uma experiência e vivenciou isso, sabe do que eu estou falando.

O que um atleta de aventura precisa ter no seu DNA?

Tomar decisões constantemente, ser um bom estrategista, lidar com o imprevisto o tempo todo, gostar de estar em contato com a natureza de uma forma intensa, construir boas relações com as pessoas da equipe, principalmente nos momentos de dificuldade e ter espírito de aventura. Também suportar o limite do sono e o limite físico. O corredor de aventura, em minha opinião, não pode ser mediano, tem de buscar ser o melhor nas mais diversas modalidades, tem de buscar a excelência.

O que você destaca da sua trajetória esportiva?

Eu sempre corri atrás do que eu quis e o esporte para mim acima de tudo é minha vida. É o desejo que me move e faz com que meus sonhos virem realidade. Nunca fui atleta profissional, sempre tive de trabalhar, treinar, estudar, além das outras tarefas do dia a dia. Acredito o que me destacou em toda a minha trajetória foi a humildade e a solidariedade com os outros atletas, seja compartilhando um equipamento ou transmitindo algo ao outro.

Como você define o esporte de aventura?

A corrida de aventura é um dos esportes mais complexos, exigentes, intensos e arriscados, no limite do corpo e do psicológico e muito prazeroso. As modalidades básicas são canoagem (lago, rio ou oceano), corrida, mountain-bike e orientação com mapa e bússola, pois não há caminho marcado. Não é permitido o uso de GPS. Há também outras modalidades como patins, escalada, travessias de caverna, seções de verticais, tirolesa, carrinhos de rolimã etc. As provas podem ser com ou sem apoio, com apoio conta com um carro que transporta equipamentos, alimentação, água, tênis, roupas etc.

Um esportista dessa modalidade deve saber correr, pedalar, remar e saber de navegação cartográfica. Precisa saber lidar com adversidades da terra, céu e água. O esporte te coloca em contato com experiências e lugares inóspitos e exóticos, com emoções de tirar o fôlego.

Quais os principais títulos que você destaca da sua experiência como atleta de esportes de aventura?

Brasil Wild Extreme, uma prova duríssima, sem apoio, minha primeira prova longa, nas terras de Lampião em meio a Caatinga. Brasil Ride uma das maiores e mais duras ultramaratonas de Mountain Bike do mundo, são sete dias de corrida na Chapada Diamantina (BA) com mais de 600 km e 13.000 metros de ascensão. Sou tricampeão da prova Brasil Ride ultramaratona de Mountain Bike. Campeonato Mundial de Corrida de Aventura 2013 (Adventure Race World Championship) na Costa Rica, com 830 km de prova, sem apoio, 7 dias e meio de prova sem parar. Chegamos em Top7 das 65 melhores equipes de mais de 27 países que estavam participando da prova.

Do Brasil para o mundo, como é estar em sétimo colocado, no ranking entre os dez melhores do mundo no esporte de aventura?

É um prazer muito grande poder representar o Brasil em uma das provas mais expressivas e representativas da história da corrida de aventura do mundo. Estar o tempo todo entre os Top5, – posição que mantive a maior parte da prova até minha bike apresentar um defeito – saber que podemos é bom demais. Representar o Brasil, (Mateus tem tatuada a bandeira do Brasil nas costas), ganhar o respeito das melhores equipes e o carinho da imprensa internacional é uma alegria única.

Há casos de Doping no esporte de aventura. Como você lida com isso? 

Eu desconheço esses casos nos esportes de ultraendurance. Acredito que vale mais apostar na preparação, na alimentação e na cabeça boa, que valem muito mais do que qualquer forma de doping. Eu sempre acreditei que quem é bom no que faz tem o prazer de transmitir o que sabe ao outro, o cara que esconde informação ou tenta levar vantagem de uma forma injusta, em minha opinião, é um eterno perdedor.

Como é entrar em contato com situações limites em que o risco de vida é iminente? 

O cansaço, o limite do sono, às vezes em condições climáticas extremas, tudo fica mais difícil, a angústia vem à flor da pele devido ao sofrimento em determinado momento da prova. Além de tudo isso ainda pedalar forte, remar, correr e se manter lúcido e inteligente o bastante para tomar decisões o tempo todo. A abertura ao novo, a disposição pessoal e a cabeça boa são fundamentais. Cada prova é uma surpresa. Há também que ser mágico, constantemente lidar com o inusitado. No Brasil, na Corrida de Aventura, como em outros esportes, faltam investimentos e apoio, haja criatividade! O risco de morrer já o corremos a partir do primeiro dia que estamos vivos. É a única certeza que temos, um dia vamos morrer. Por isso temos que fazer o que amamos.

Mateus Ferraz é atleta de corrida de aventura, tecnólogo em turismo e instrutor outdoor.