Por Alain Mouzat
Com humor e sem pieguice, “Intocáveis” narra a amizade de um rico tetraplégico e seu cuidador pobre. Maior sucesso de bilheteria do cinema francês, filme emociona sem cair na armadilha dos discursos “realistas”
“Felicidade não é bem que se mereça”, já escreveu o psicanalista Jorge Forbes. É o que nos diz o filme Intocáveis, que representará a França no Oscar 2013. Um dos grandes sucessos na temporada, baseado em uma história real, o filme narra o encontro de Philippe, um tetraplégico amargurado, multimilionário e morador de um palacete, e Driss, um imigrante senegalês candidato a uma vaga de enfermeiro.
Desinibido, Driss vive em um dos conjuntos habitacionais populares que povoam os subúrbios parisienses. Ele, a princípio, nem chega a ser um candidato à vaga de enfermeiro. Deseja apenas assinar uma declaração que ateste sua busca por trabalho e, assim, lhe permita receber o seguro-desemprego. Mas, por uma feliz coincidência, Philippe e Driss simpatizam um com o outro, e o imigrante acaba assumindo o posto.
Conto de fadas? Não exatamente. Driss não aceita se render aos sentimentos de piedade e compreensão que o senso comum associa a quem cuida de um tetraplégico. Pelo contrário. Ao tratar seu paciente sem compaixão ou piedade, o enfermeiro lhe empresta consequências, e recebe em retorno uma injeção de libido. Sua amizade faz com que Philippe, emaranhado nos seus problemas e na lerdeza pegajosa da resistência ao mundo, volte a aproveitar a vida, apesar das dificuldades.
Parece que Driss pratica naturalmente algumas das formulações de Jorge Forbes que orientam a Clinica Psicanalítica do Centro do Genoma Humano: desautorizar o sofrimento padronizado, dar chance a cada um inventar seu modo de enfrentar a doença.
As intervenções de Driss não são iguais às de um psicanalista, evidentemente. Mas, em parceria com Philippe, ele atinge um dos grandes objetivos de uma análise: dar uma chance ao encontro feliz.
E o filme mostra esse encontro com humor e sem pieguice. Não por acaso, é a maior bilheteria da história do cinema francês. Porém, como é típico na França, a inteligentsia reclamou dos clichês e preconceitos e, particularmente, do esvaziamento da questão social. Poucos intelectuais da velha escola se permitiram apreciar o filme.
Ora, para que tanto radicalismo? Intocáveis é uma obra de ficção, embora se inspire em fatos reais. E quem disse que a ficção não consegue captar as nuances do real, muitas vezes de um jeito melhor que o dos discursos ditos “realistas”?
O público, felizmente, não se deixou enganar, e fez do filme um sucesso de bilheteria. Os espectadores “deixaram para lá” os blasés, não pechincharam o seu prazer e curtiram os Intocáveis. Recomendo!