Resenha por Alessandra Raspante
Acabam de ser lançados quatro novos livros de Jorge Forbes, psicanalista, psiquiatra, pensador, empreendedor e criador de TerraDois. Dentre eles, selecionei o que dá nome a esta resenha. O currículo do autor é admirável. Forbes tendo tido papel de destaque nas reflexões sobre a pós-modernidade no Brasil e seus impactos em todos tecidos sociais, incluindo o mundo corporativo.
Editado pela Manole, em capa dura e organizado por Liége Lise, Jéssica Magalhães e Vanessa Scofield, “EMPRESAS EM TERRADOIS” é um compêndio de textos produzidos nos últimos anos por Forbes, onde encontramos articulações sobre os fenômenos do mundo corporativo por ele pesquisados e observados em sua clínica psicanalítica e prática consultiva vis a vis os conceitos que ele cunhou para dar sentido ao mundo pós-moderno.
Nesse contexto, TerraDois é uma metáfora criada por Forbes para diferenciar e tentar explicar a dinâmica de funcionamento da humanidade de hoje em relação àquela existente até os anos 90, a qual ele nomeou de TerraUm. A relevância dessa distinção não é de natureza acadêmica. Esse framework criado por Forbes é de crucial importância, pois se apresenta como uma valiosa ferramenta para pensar e discutir as novas bases do laço social e como elas influenciam as relações de trabalho e a interação das empresas com seus clientes, colaboradores, fornecedores, entidades governamentais e sociedade em geral.
Subjetividade, desejo, criatividade e responsabilidade são, em conjunto e em harmonia (ou não), a nova força motriz de um planeta tão mais complexo quanto instigante em relação ao anterior.
Forbes propõe que a migração de TerraUm para TerraDois foi provocada pela transição de uma sociedade que, por séculos, foi verticalmente estruturada em torno de padrões pré-determinados e valores como hierarquia, foco, rigidez, previsibilidade, segurança e disciplina, para uma outra estrutura social horizontalizada, dispersa, flexível, diversa, colaborativa, criativa, com alto nível de incerteza e baixa previsibilidade.
Tendo seu framework como pano de fundo, Forbes faz, nos vinte e dois textos contidos no livro, provocações afiadas – e muitas vezes implacáveis – sobre assuntos espinhosos da contemporaneidade corporativa para os quais nem sempre há uma solução satisfatória, ainda. Nem mesmo o tema Compliance escapou de sua incisiva caneta. Dentre todos, é imperativa a leitura dos textos “O que é ser líder hoje” e “Que líder queremos?”.
No primeiro, Forbes faz um rol acuradíssimo de atitudes e valores do líder obsoleto, calcificado em TerraUm e do líder de hoje, sensível ao modus operandis de TerraDois. Ao ler esse texto me veio imediatamente em mente o empreendedor social Edu Lyra como expoente do estilo de liderança TerraDois, em particular por sua extraordinária capacidade de articulação de redes de valor e de compartilhamento de um ideal comum que passa a ser desejado – e ao que parece está sendo alcançado – por um número crescente dos mais diversos indivíduos e instituições.
Já o segundo texto, não poderia ser mais pertinente para nos fazer refletir não apenas sobre o nosso próprio estilo de liderança e quão aderente ele estaria ao novo mundo, mas também sobre com que tipo de líder queremos trabalhar e como o estilo de liderança política que escolhemos pode ser determinante no sucesso do atravessamento que o país, igualmente, é já instado a fazer à luz dessas mudanças irreversíveis.
Limito os comentários por aqui para não tirar o prazer daqueles que se arriscarem na leitura recomendada. É daquelas que fluem de uma tacada só, dada não só a relevância das temáticas, mas, principalmente, pela qualidade irreparável da deliciosa retórica de Forbes, a qual, não por acaso, já foi agraciada anteriormente por um Jabuti.
Para os que já tive a honra e o prazer de liderar, fica a questão: sou eu líder TerraUm ou TerraDois? Espero depois desses vinte anos estar pelo menos já desperta e no meio do caminho entre um planeta e outro…
Alessandra Raspante é advogada e executiva do mercado financeiro, pós-graduada em Teoria Psicanalítica e aluna do Corpo de Formação do IPLA.