Em tintas e letras 09/10/2014

Por Evandro Limongi Marques de Abreu

Comentário sobre o livro Criminologia do cotidiano do cartunista e ativista político Carlos Latuff

Imagens dizem mais que mil palavras. Nisso aposta um livro inusitado que junta criminologia com arte. A coletânea Criminologia do cotidiano – Críticas às questões humanas através de charges de Carlos Latuff convoca à atenção, a olhares insurgentes, incomuns, a respeito de temas como racismo, mídia, homofobia, formas de controle, ocupação da terra, religiões de matriz africana, dentre outros, a partir da estética de tintas carregadas sob um traço singular e escritos distantes da oficialidade permitida.

Carlos Henrique Latuff de Sousa é cartunista e também ativista político. Carioca, nascido em 1968, iniciou a carreira na publicidade no ano de 1989. Os autores dos textos não são apenas juristas, mas filósofos, professores, dentre outros. Aliás, é dispensável o conhecimento prévio ou uma aproximação com o direito para imergir na proposta da obra, qual seja: a de vislumbrar outra perspectiva a respeito de assuntos que tocam fundo aqueles que escolhem a reflexão, o novo, que não querem mais a superficialidade das mesmices e responsabilizam-se por isso.

Pois, o direito, quando não é anacrônico, mais fomenta alienação que provoca emergência criativa apta a melhor responder ao que lhe é demandado. Sobretudo no campo penal, em sentido amplo, perde-se ele, nos dias de hoje, em idealizações e utopias; por vezes, em constatáveis perversões. Exemplo disso: punir às cegas é palavra-de-ordem acatada amplamente e ainda mais para quem teima em acreditar na mítica “verdade real” (que bem não é uma coisa nem outra).

Ante a sempre existente, e imorredoura, violência (outro nome dado à agressividade) do crime – esse ente artificial que o legislador cisma em criar e desenvolver -, de um medo construído que vende mais do que água-solução no deserto urbano, a criminologia surge interdisciplinar e capaz de dialogar, inclusive com a psicanálise, para uma pertinente crítica do mal-estar que nos assola na contemporaneidade, no que aquela, e nós, só temos a ganhar.

Vera Malaguti Batista, que prefacia o livro, lembra quão difíceis são os caminhos de resistência nesses nossos “tempos soturnos”, mas refere-se, otimista, à “esperança de outros futuros”. Ora, como não saudar o lançamento de um livro no qual autores sediciosos, heréticos, quanto a um saber penal duro, sacralizado, a partir de charges igualmente libertárias e afiadas como bisturis, desafiam os leitores à experiência da mescla de artes com vistas a melhor cada um posicionar-se onde se encontra e pôr-se no mundo, de forma mais inventiva, a tratar do desafio de uma vida de qualidade?

Mas como se insere ou é inserido o analista lacaniano nessa discussão? Teria ele alguma coisa a ver com isso? É preciso empenho na construção de um novo direito. O material mencionado, a tal fim, constitui-se numa ferramenta bastante útil de leitura para psicanalistas, sem qualquer dúvida.

Literalmente, pois, mãos (e olhos) à obra!

Evandro Limongi Marques de Abreu é psicanalista, advogado e professor universitário