Por Gabriela Corbisier Tessitore
O pressuposto básico da nossa pós-modernidade é que tudo se tornou cultura
Na sociedade atual, estar na imagem é existir: o pressuposto básico da nossa pós-modernidade é que tudo se tornou cultura. Das vitrines das lojas aos meios de comunicação de massa, as imagens desfiladas passam a habitar nosso imaginário, em sedutoras narrativas; ao mesmo tempo, mais do que nunca somos também produtores culturais nesse universo binário da aldeia global.
As empresas de outrora tornaram-se as marcas de agora. No bate-bola com os consumidores e o mercado, elas devem ter e propagar uma identidade, o chamado branding. Do patrocínio das artes à promoção de mega eventos, as grandes marcas estão presentes em nosso cotidiano: é sob esse prisma que o Dr. Jorge Forbes afirma, em entrevista concedida à revista Época, que “as empresas devem falar mais ao desejo e menos à necessidade das pessoas. Uma empresa não sobreviverá por muito tempo se não for uma editora de cultura”.
Nesse vai e vem incessante e intercambiável de padrões e desejos, a construção de uma marca passa pela mobilização do poder pulsional e da dinâmica libidinal dos indivíduos. Não há como negar o papel estruturante das marcas na formação da subjetividade contemporânea, sua influência e impacto: mais do que produtos, consumimos experiências e sensações, estilos de vida e comportamentos. Nesse sentido, e conforme nos ensinou a psicanálise, se o sujeito é social, e sua constituição pressupõe o “outro”, cabe perguntar: “que sujeito é esse cuja mente é o lugar da marca?”
Cultura, subjetividade e fetichismo no capitalismo global foram os vetores da investigação de Isleide Fontenelle, em O nome da marca. Sendo ao mesmo tempo estruturas simbólicas e materiais, as marcas, cujo funcionamento se dá de modo misteriosamente metafísico e fetichista, são os espelhos nos quais nos miramos a fim de acharmos quem somos e onde estamos em meio à liquidez atual.
As identidades promovidas numa cultura descartável, de constante aceleração e “obsolescência programada”, fornecem o código do imanente para o padrão de sucesso. Nestas condições, sob a aparência de uma pretensa liberdade de escolha, a marca cria uma totalidade ilusória que se apresenta como um refúgio, na medida em que confere significado ao que se vive: “é um guia para a performance porque é legitimada socialmente. O sujeito contemporâneo ‘racionalmente’ não acredita nas marcas, exceto na existência do vazio que elas prometem preencher”.
No entanto, se os meios que o capital oferece para completar o vazio pós-moderno são constantemente descartados pela sua própria estrutura interna, “tornando a situação ainda mais instável”, como então uma marca consegue permanecer quando tudo o mais à sua volta é posto abaixo para ser novamente reconstruído?
Segundo a autora, é a crença no nome da marca que sustenta o funcionamento libidinal da nossa realidade: “derradeiro desenvolvimento da forma-droga, a marca publicitária funcionaria como um antidepressivo de última geração. (…) Não é a imagem, mas o nome da marca que importa, já que as imagens se deslocam o tempo todo em torno do nome, que é fixo.”
Ora, a cultura é imprescindível para que nos tornemos sujeitos, dada nossa “incompletude fundamental”. Nessa perspectiva, o chamado indivíduo narcísico é fruto e expressão de uma fetichização total da cultura: “daí por que afirmo que a marca reflete o nosso espírito de época: ela é oca e, tal como os sujeitos diante de uma cultura descartável, procura desesperadamente por padrões nos quais se mirar”.
Gabriela Corbisier Tessitore é mestre em Letras pela Universidade de São Paulo e professora da Faculdade de Marketing Comunicação da FAAP