Por Dagmar Silva Pinto de Castro
O pensar é uma dimensão fundamental da existência humana. É essa capacidade que supera as respostas clichê, outorgando a outrem o que é da ordem intransferível da responsabilidade em relação às escolhas e decisões de cada um como membro da sociedade humana.
“Pertence à própria natureza da condição humana o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo, de tal modo que preparar uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de arrancar das mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face ao novo.”
(Hannah Arendt)
Hannah Arendt, ao refletir sobre a crise da modernidade, aponta que a educação perdeu a sua ancoragem. Segundo ela: “a essência da educação é a natalidade, o fato de que seres nascem para o mundo”. A educação vista na perspectiva da natalidade é o lugar onde pode vir à luz o absolutamente novo. É educar para a responsabilidade como amor mundi (amor ao mundo), que implica como respondo a algo (situação), ao outro (pessoas), a si próprio (singularidade) e ao mundo. Seu pensamento propõe a vida como interrogação. É fundamentado em sua experiência pessoal e no contexto das rupturas do século XX, nomeada por Eric Hobsbawm como a era dos extremos. Ela propõe o cuidado com o mundo – espaço das relações entre os homens – que possibilita a vida e a singularidade humana. É uma questão ética que se traduz em cuidado. Diz respeito às ações entre os homens ou entre os homens e outros seres vivos ou, ainda, com o mundo. Tais ações são da ordem de preservação da vida, proteção, cuidado, acolhimento, facilitação para que o outro seja. A autora fundamenta seu pensamento no cultivo de sentimentos públicos. É um pensar enraizado em uma sensibilidade edificada intersubjetivamente.
Só há mundo porque há um alguém que lhe atribui sentido e significado. Há uma estrutura correlacional entre ser humano e mundo. Para Arendt, o pensamento não se reduz à atividade cognitiva ou intelectual. O pensar e o agir não se separam. O pensar deve anteceder o conhecer, possibilitar um saber e um saber fazer, contribuir para que se estabeleça uma relação de sentido e de pertença com o mundo humano. A ausência de pensamento não diz respeito a alguma limitação cognitiva, não tem a ver com ignorância. Pode haver pessoas muito inteligentes que, contudo, não pensam. Conhecimentos e habilidades, ciência e tecnologia, podem ser despojados da reflexão que procura compreender o sentido de atos e acontecimentos. O pensamento é uma resposta às nossas experiências no mundo. Lembramos do acontecido e procuramos compreendê-lo, de modo que o ocorrido ganhe um sentido para nós. O pensar é uma dimensão fundamental da existência humana. É essa capacidade que supera as respostas clichê, outorgando a outrem o que é da ordem intransferível da responsabilidade em relação às escolhas e decisões de cada um como membro da sociedade humana.
Arendt faz uma crítica veemente à consagração do sujeito moderno e ao seu processo de alienação do mundo, a ponto de transformá-lo em mais um objeto passível de destruição. Parte do princípio da urgência do enraizamento do ser humano no mundo. Lembra que esse habitar acontece junto com os outros. É a pluralidade como estatuto ontológico dos seres humanos. Ela denuncia o culto da vida individual, sustentado pela técnica e pela ciência, sob a máscara da sacralização da vida em si e desprovida de qualquer referência ao outro. Arendt pressupõe uma educação que permita ao ser humano esse enraizamento. É uma forma de existência em que a pluralidade humana revela a singularidade pela linguagem e ação. Para Hannah Arendt, “se o mundo deve conter um espaço público, não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos: deve transcender a duração da vida de homens mortais”. Cabe a cada geração a instauração de novos milagres. Arendt dá a esse termo religioso uma nova perspectiva. Para ela, milagre é a capacidade humana de iniciar algo novo pela ação que interrompe processos automatizados. É chamar à existência o que antes não existia – mediante palavras e atos na esfera da pluralidade humana – como espaço de expressão da singularidade. É educar para a responsabilidade como amor ao mundo.
Dagmar Silva Pinto de Castro é doutora pelo Instituto de Psicologia da USP e docente do Doutorado em Administração do PPGA, da UNIMEP.
Referencias
ARENDT, Hannah. A condição humana, 7ª ed. Revista, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995.
________________. Entre o passado e o futuro. São Paulo, Perspectiva, 2005.
________________. Compreensão e política e outros ensaios. Lisboa, Relógio D’Água Editores, 2001.
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