Ecos de Miojo 09/01/2014

Por Carolina de Jesus Pereira

Escondeu-se em uma máscara de pretensa ousadia que, em vez de protegê-lo como um escudo, o expôs

Dia 05/01, domingo, ocorreu a prova de redação da FUVEST 2014. Ao longo da semana, os periódicos voltados ao exame de aspectos ligados à educação só falaram disso: do tema, da reação dos candidatos, da avaliação dos especialistas. Aproveitou-se, também, para lembrar da “façanha” do estudante Carlos Guilherme Custódio Ferreira, de 19 anos. Em outubro de 2013, o rapaz virou uma celebridade instantânea por ter incluído uma receita do macarrão instantâneo Miojo na redação do Exame Nacional do Ensino Médio de 2012. Como ler sua opção com a psicanálise?

Comecemos pela leitura do poeta. Lembrando-nos de que existe uma diferença entre metralhar significantes e utilizá-los com propriedade, Johann Goethe afirmou que “No mundo há muitas palavras mas poucos ecos”. Carlos não parecia saber disso. Desconhecia que o texto como protesto (isto é, uma produção escrita que tomasse corpo como uma crítica concreta a algo de que se discorda – seja o exame em si ou os métodos de avaliação e acesso à universidade, por exemplo) poderia ter produzido o eco ao qual Goethe se refere. Nesse caso, a banca corretora teria dificuldade de anular a prova, pois o protesto poderia ter ressoado de forma comovente e positiva.

Não foi esse o resultado obtido. Ao escrever um texto que parece ter, para o interlocutor, a pretensão única de ridicularizá-lo, o estudante conseguiu somente sua autorridicularização. Posicionou-se de tal forma que prescindiu da oportunidade de deixar com que suas palavras ressoassem. Escondeu-se em uma máscara de pretensa ousadia que, em vez de protegê-lo como um escudo, o expôs.

Ao optar pela adoção da máscara de “piadista”, esse estudante abdicou da possibilidade de se utilizar da prova como um dos espaços possíveis para fazer sua singularidade passar no mundo. Abriu mão, também, da oportunidade de se responsabilizar por uma opinião dissonante (ser contra o ENEM), recaindo em um confronto extemporâneo.

Em vez de investir na possibilidade de escrever, protagonizando uma posição enunciativa de autor, esse rapaz saiu da cena e, como Lacan teria descrito no seu Seminário de 1964, deixou que a máscara social de pessoa que luta contra o sistema se tornasse protagonista no gozo de se fazer cagar. Em outras palavras: fazendo-se objeto do gozo de um Outro que sequer existe, o rapaz do Miojo se posicionou de tal forma que a consequência obtida pelas suas ações foi sua própria expulsão.

É passada a hora de inventarmos modos de ensinar a escrever que levem em conta a dificuldade, por parte do sujeito, de comprometimento com o próprio desejo. Vítimas do princípio do prazer, os tantos Carlos que povoam nossas salas de aula continuarão buscando prazer imediato, independentemente das consequências que essa opção pode produzir, caso os educadores não sejam cada vez mais claros em uma política das consequências. Ao sentirem o peso de suas escolhas, pode ser que nossos alunos encontrem usos mais criativos para o seu Miojo, para além do imperativo de um gozo acéfalo e de palavras que não tocam, apenas giram em falso. 

Carolina de Jesus Pereira é pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, onde, no momento, está cursando mestrado.