Por Rômulo Ferreira da Silva
A equipe de produção do Fantástico foi contatada com antecedência para que fossem incluídas a psicanálise e a saúde pública na reportagem. Sem sucesso!
No último domingo, 18 de agosto, sob comando do Dr. Drauzio Varella, o programa Fantástico, da TV Globo, divulgou uma reportagem a respeito do autismo. Como de costume, as matérias jornalísticas que abordam o sofrimento humano pela via dos quadros diagnosticados pela psiquiatria seguem um padrão fixo: o sofrimento é necessariamente enquadrado como uma doença e, sendo o tema tratado de forma restrita e tendenciosa, colocam a medicina como a mais importante resposta, senão a única.
Desde que Leo Kanner descreveu o quadro de autismo, em 1943, muitos estudos foram realizados e os casos foram tratados por diferentes perspectivas, para além do campo da medicina.
Sabemos que o termo autismo, como sintoma e não como categoria diagnóstica, foi cunhado por Eugen Bleuler, a partir do termo freudiano autoerotismo.
Vemos aí só mais um exemplo de como a psicanálise, herdeira da medicina, está há mais de um século provocando mudanças na abordagem médica. Desde a origem do termo, portanto, a psicanálise tem um papel relevante na abordagem dos sujeitos que apresentam sinais e sintomas compatíveis com o diagnóstico psiquiátrico atual de Transtornos do Espectro Autista (TEA).
Há quase um ano foi inaugurado o Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública (MPASP), que reúne mais de cem instituições psicanalíticas em todo o Brasil, agregando um enorme contingente de profissionais “psi”. O MPASP foi criado em resposta a um edital da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES), que convocava instituições a se candidatarem para convênio com a secretaria no atendimento aos portadores de TEA. Esse edital exigia que os pacientes fossem tratados pela via medicamentosa e/ou abordagens cognitivo-comportamentais, excluindo outras formas de tratamento. O Movimento vem se organizando e, desde então, produz material para discussão e divulgação da prática psicanalítica com esses pacientes.
A equipe de produção do Fantástico, inclusive, foi contatada com antecedência para que fossem incluídas a psicanálise e a saúde pública na reportagem. Sem sucesso! A matéria veiculada nesse domingo não é fantástica, é tendenciosa e não soube se abrir à escuta. Certamente, não por surdez!
No dia 15 de agosto, o edital da SES reapareceu em uma versão mais amena. Os vetos da presidente Dilma Rousseff aos projetos do Ato Médico foram mantidos pelos senadores. Ufa! Ao menos isso.
A nosso ver, esses últimos eventos não estão desarticulados. Eles fazem parte de um movimento claro de exclusão da psicanálise, e mais, da articulação daqueles que apresentam interesse em que o sujeito não seja contado na lógica do tratamento. Servem, portanto, para fazer calar o sujeito. A psicanálise, ao contrário, busca fazer o sujeito falar e incluí-lo na produção de saberes que possam reduzir o sofrimento dos pacientes e seus familiares.
Isso, sim, pode ser fantástico!
Rômulo Ferreira da Silva é psiquiatra e psicanalista da Escola Brasileira de Psicanálise